Menina também pode ser menina

Uma amiga com filhas adolescentes me ligou há algumas semanas atrás tentando entender o alvoroço da nova geração de mães de meninas (no qual me incluo) que subitamente passaram a queimar bonecas peitudas de plástico na fogueira e preferiam que as filhas lutassem judô a fazer balé.

Eu ri e expliquei para ela tudo o que eu sabia sobre feminismo, sobre incentivar as meninas a terem mais escolhas e que não era bem um antagonismo a tudo o que fosse “conhecidamente feminino”, mas uma intenção coletiva de ampliar o espectro, e não limitá-lo (e que sim, bonecas peitudas de plástico não deveriam existir).

Foi uma boa conversa, até por que dez anos separam nossas filhas e existe muita coisa diferente nessa nova geração de meninas, que estão muito mais empoderadas do que a geração anterior.

Mas depois fiquei (como sempre) pensando no assunto. Detesto radicalismos. Quem acompanha os meus posts aqui no Mundo Ovo, sabe que esta geminiana que vos fala sempre tenta achar um caminho do meio. Não tanto para permanecer em cima de muro, mas porque eu gosto de me colocar no lugar do outro.

Victoria é uma menina com poder de escolha. Ela luta, nada, adora capoeira e ioga e (ainda) não despertou para o balé. Ela adora carrinhos e super-heróis, mas sua brincadeira predileta ainda são as bonecas que parecem bebês por que ela pode trocar fralda, dar comida, amamentar (sim) e usar o seu enxoval de bebê: as mantas, cueiros, sling, canguru, calcinhas, meias e roupinhas de recém-nascido. Usa fantasias cor de rosa cheias de tutu, mas da mesma maneira que usa azul, amarelo, preto e vermelho e se veste de Homem-Aranha e Woody. Ela é a típica nova menina dos anos 2010. E eu me acostumei a pensar que todas as meninas são assim.

Mas não são.

Tem um monte de meninas da mesma geração da minha filha que vivem para ter coleção de Barbie, Polly, princesas, coroas, varinhas e que se vestem exclusivamente de rosa ou lilás com toques de prateado ou dourado dependendo da tiara do dia. Elas detestam qualquer coisa que seja “do mundo dos meninos”, preferem cetros a espadas e não saem de casa sem esmalte.

E sabe o que eu percebi outro dia? Muitas das mães dessas meninas andam por aí tentando mudar suas filhas, tentando fazer com que elas sigam o fluxo das novas meninas superpoderosas. E aí que todo dia é uma luta para colocar uma camiseta verde, um short ao invés de saia, fazer com que elas larguem a penteadeira infantil e rolem na grama brincando de super-herói. Mas elas não querem. E tudo bem, também.

Outro dia uma mãe, vendo minha filha brincando de “bife à milanesa” na praia, quase pediu desculpas pra mim. “Minha filha não gosta de se sujar. Gosta de brincar com essas micro bonecas chatas ao invés de se divertir e mergulhar.”

Eu respirei fundo (por que eu tento não dar conselhos para pessoas que não me conhecem) e argumentei que ela não tinha que tentar mudar as preferências da filha. Que ela tinha que continuar apresentando a infinita gama de escolhas que ela poderia fazer na vida. Mas que a decisão, no fim das contas, seria da criança e que se ela só gostasse de lilás e carrinho de boneca, tava tudo certo.

As escolhas de nossas filhas também são intrinsecamente ligadas ao nosso estilo de vida. Me vejo na minha filha em muitas de suas decisões e incentivo ativamente, confesso, que ela jogue bola (jogamos juntas), capoeira, que ela escolha se vestir de esquilo ao invés de bailarina e que ela sente no chão, mesmo quando há cadeiras disponíveis por que ela pode se sujar sem maiores dramas.

Tem também a pressão do meio. Ela pediu essa semana para furar a orelha. Eu imediatamente disse: “Tudo bem. Mamãe vai ver hoje onde nós podemos colocar brincos em você.” Logo depois perguntei o motivo da decisão. Ela respondeu que ela era a única da turma que ainda não tinha orelhas furadas. Eu ia fazer um discurso qualquer sobre a importância de não ceder às pressões dos amigos, que ela devia furar as orelhas quando realmente quisesse se olhar de brincos, mas capitulei. Acho que entre ela ser incentivada a ser a mulher poderosa que eu quero que ela seja e ela efetivamente ser madura para isso, ainda vai precisar/querer ser igual a todo o grupo para se sentir aceito. E, com olhar atento, seguirei trilhando esse caminho com ela.

O que seria do azul se não houvesse o rosa, como seriam as meninas se não houvesse meninos? Por mais que mulheres como eu (e quem sabe você também?) estejam se esforçando para diminuir a distância entre os gêneros, que precisa mesmo começar na infância para que eles virem adultos mais conscientes do que a nossa própria geração, também precisamos compreender que de vez em quando elas vão querer mesmo fazer balé e eles vão querer rolar no chão, brincar luta e deixar as meninas de lado.

O título deste post é um pouco provocativo, eu sei: “Menina também pode ser menina”. Mas antes que a blogosfera materna e seus leitores queiram me tacar na fogueira junto com todas as Barbies, peço que a gente reflita em conjunto sobre os desejos das nossas meninas. O ideal não é que ela rejeite a cor rosa e brincar de panelinhas cheias de purpurinas enquanto usa fantasia de tutu. Mas que possa abraçar todas as brincadeiras e cores por igual. Por que a igualdade reside aí: em tirar a força do estereótipo.

 

Imagem destacada: Shutterstock Natalia Kirichenko

 

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3 Comentários

  1. 21 de setembro de 2015 at 9:59 — Responder

    AMEI essa reflexão! Super concordo que devemos deixar as meninas serem meninas 🙂
    Aqui em casa conversamos bastante sobre essas questões de gêneros.
    Linkei esse texto na seleção de melhores links da semana do meu blog 🙂

    • Camila
      22 de setembro de 2015 at 18:14 — Responder

      Talita obrigada! Um bj Camila

  2. Carla
    4 de Maio de 2016 at 3:25 — Responder

    Excelente reflexão Camila! Aqui em casa minha filha brinca com Barbie, carrinhos, usa azul quando quer, rosa quando quer! Pijama do homem aranha sim, e sim ser menina sempre que quiser, pq ser menina pode ser tudo isto!

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