Mundo Ovo

A biblioteca da Marina: um bebê pode gostar de ler?


Como estimular o gosto de nossos filhos pela leitura?

Aeromoça, bailarina, professora, advogada. Nunca perdi mais de cinco minutos pensando na profissão que a minha filha pode escolher. Mas que ela seja uma leitora, sim, me parece uma preocupação importante. Quero estimular, orientar, mas a tarefa não é das mais fáceis. Um doutorado em literatura, tantos livros lidos e outros tantos textos rabiscados não me prepararam e sigo tateando atrás dos melhores títulos para cada fase.

Quando eu estava grávida, ouvi muita gente dizer que o estímulo ao gosto pela leitura devia começar desde a barriga. Obedeci, é claro. Lembro que, na primeira tentativa, fui na estante e tirei “A bolsa amarela” de lá. Uma escolha cheia de significados. Foi por causa da Lygia Bojunga, eu sempre digo, e mais especificamente de “A bolsa amarela”, que me apaixonei pela literatura. E se ela não entenderia mesmo o que estava sendo dito, pelo menos ia sentir a empolgação na voz. Comecei. A Marina não mexia mais e nem menos por conta da história e a única coisa que acontecia é que eu me sentia estranha, muito estranha, lendo em voz alta para a barriga. Achei que ainda não era a hora e voltei às leituras silenciosas.

Quando ela nasceu, ainda bem pequenininha, me empolguei e comprei o primeiro livrinho: uma coletânea de contos de fadas. Comecei a ler… Mas como são tristes os contos de fadas. Nunca tinha reparado que eram tanto. E, quando alguma desgraça chegava, eu mudava o rumo da história, inventava alguma coisa mais divertida ou bela para acontecer. Ela é tão pequenininha, pensava, não precisa ouvir uma história triste assim. Mas a verdade é que ela não ouvia mesmo. Eu me esforçando no enredo e a Marina dormindo profundo no berço. Ainda não era a hora. Fechei o livro e passei a embalar ela com canções e aí a gente pareceu se entender. As cantigas acalmavam e eu achei que aquele era o período da história cantada.

Não desisti, é claro. Livro de banho, aqueles pequenininhos que você pendura no carrinho e trazem ruídos e texturas diferentes em cada folha, nenhuma ou quase nenhuma frase impressa ali. Confesso que me custou comprar livros que são puro brinquedo, porque livros para mim nunca foram brinquedo, apesar de sempre ter achado que eram divertidos. Mas a Marina herdou alguns dos primos e me rendi. Ela adorava olhar as figuras, experimentar os ruídos e, pelo menos com a pequena, foi assim. Lá pelos seis, sete meses, quando começou a se sentar, se encantou e não parava de virar as “páginas” dos que ela tinha. E, ok, cheguei à conclusão de que, se livro também é objeto, era legal que ela tomasse gosto por ele, mesmo que no futuro ache que o bom mesmo é baixar histórias em um tablet.

Hoje ela tem um ano e três meses e sua “biblioteca” já aumentou mais um pouquinho. Tem “Um passeio com a Nuvem Sofia” (Salamandra), um livrinho lindo, todo colorido e bordado, que ela gostou de início, mas hoje não consegue diferenciar das outras almofadas. “O pintinho” (Ciranda Cultural), a história de um pintinho que sai para explorar a fazenda onde mora e acaba dando de cara com uma raposa faminta, a pequena não se cansa de ver e rever. O que gosta mesmo é de explorar os relevos das páginas: cerca ondulada, arbusto felpudo, botinas de plástico… “A casa dos beijinhos”, de Claudia Bielinsky (Companhia das Letrinhas), também faz sucesso, com abas (que ela já conseguiu arrancar) que vão mostrando quem está pronto para encher o cachorro da história de beijos.

E me conformei que, por enquanto, são esses estímulos que chamam atenção muito mais do que qualquer história, por mais que eu me esforce em contar de forma criativa. Comprei “Cadê o meu penico?”, de Mij Kelly (Companhia das Letrinhas), um livrinho fofo que só, todo rimadinho e divertido, e não consigo chegar nem na segunda página. Quando roubam o penico da Hortênsia, ela já está apontando para a prateleira onde ficam os outros. A maioria não tem nem o nome do autor na capa, de tão básica que é a história, mas, fazer o que, Marina acha mais legal. E, na tentativa, com acertos e erros, vamos seguindo.

Aproveitei que ia escrever esse textinho para o Mundo Ovo e pedi dicas para quem entende do assunto. A Maria Clara Cavalcanti trabalha há vinte anos com formação de leitores é contadora de histórias do grupo Confabulando e autora de livros como “Quibungo” (Escrita Fina).

Diz aí, Maria Clara, o que devemos fazer?

Na sua opinião, existe uma idade limite?

Não existe uma idade mínima para se começar a contar histórias para crianças. Aliás, as histórias começam a ser contadas/cantadas com os acalantos com que embalamos os nenês. Por terem o ritmo das batidas do coração, essas cantigas acalmam os bebês dando-lhes uma sensação de aconchego e segurança.

Segundo sua experiência, como devemos selecionar um livro?

Contar histórias é como dar um presente. Quanto melhor conhecemos a quem vamos presentear, mais fácil escolher o presente ideal. Conhecendo nosso público fica mais fácil saber o que contar. Pode-se contar uma história curta ou comprida, mostrando as ilustrações do livro ou não, usando ou não objetos. Tudo depende do público. Porém, há uma regra básica que acho que deve estar na mente de todo contador: somente contar histórias das quais você goste muito. O seu prazer (ou o seu desprazer) certamente irá contagiar.

Que dicas você daria para conseguir prender a atenção dos pequenos?

Para prender a atenção de uma criança muito pequena é preciso haver uma proximidade maior. Colocá-la no colo, mostrar as figuras do livro, imitar a voz dos personagens, respeitar seu tempo e seu ritmo. À medida que a criança vai se desenvolvendo, pode-se ir prescindindo desses estímulos até se chegar à narrativa puramente oral ou a leitura de um texto.