Outro dia recebi a ligação de uma amiga pedindo ajuda para contar uma situação trágica recém-ocorrida à sua filha. Em uma conversa posterior veio a pergunta: “Será que toco no assunto ou deixo partir dela?
Quantos assuntos delicados não somos obrigados a contar aos nossos filhos: divórcio, morte, sexualidade, doenças etc. Podem ser situações tristes ou constrangedoras: cada um tem uma maneira particular de lidar com as adversidades. Entretanto, ao compartilhar com a criança, o adulto passa a ter de lidar não apenas com a própria dor, como com a dos filhos, e é aí que tudo fica um pouco mais complicado.
Desde o nascimento o ser humano aprende a lidar com a perda diariamente: perde o ambiente protegido do útero, perde o conforto e aconchego das mamadas, perde a atenção exclusiva dos pais, e por aí vai. E quando a perda é de um animal de estimação, parente ou amigo? É possível inventar que um cachorro fugiu para não dizer que morreu; no entanto, o mesmo não pode ser feito com uma avó, um irmão ou um amigo.
Vamos falar então sobre quando contar é inevitável. Não existe explicação que dê conta de todos os questionamentos que surgirão na mente infantil. Todos ficam impactados em um primeiro momento, e a mente não funciona por módulos como matéria escolar. Quando perdemos alguém, reeditamos e “ressignificamos” todas as perdas anteriores. Recentemente uma amiga me contou que, ao perder um amigo, seu filho voltou a questionar o divórcio dos pais que havia ocorrido vários anos antes.
O divórcio também é uma perda. Hoje, faz parte da realidade de uma boa parte da população infantil; no entanto, por mais tranquila que seja a separação, certamente envolve muito sofrimento para todos os envolvidos. Isso não significa que serão menos felizes do que filhos de pais casados. É apenas inevitável que a vida mude, e, sempre que há mudanças, há luto. A questão não termina após o fato ser comunicado, isso é apenas o começo. É nesse momento que se abre uma porta que não deve ser fechada nunca. É fundamental que os assuntos possam ressurgir sempre que necessário.
Algumas crianças têm mais dificuldades em tocar nos assuntos doloridos, e a ideia de que dói menos quando não falamos, é mito. A dor só diminui quando é possível compartilhá-la com quem se ama. Entra aí a sensibilidade dos pais.
A resposta para a pergunta da minha amiga é: Não é necessário arrombar a porta, mas é possível preparar o terreno, bater antes de entrar, e abri-la devagarinho. Estar disponível é fundamental, mas, além disso, às vezes é preciso um empurrãozinho. Falar sobre os próprios sentimentos em uma linguagem accessível é um bom começo. É muito importante ficar atento à reação dos pequenos em situações atípicas, pois o comportamento muda, as notas caem, o sono descompensa etc. Essas mudanças nem sempre acontecem imediatamente após a perda. O mundo emocional não respeita tempo cronológico, e uma experiência vivida na infância, vinte anos depois, pode ser sentida como tendo acontecido no dia anterior.
A melhor maneira de lidar com a morte é apor meio do afeto de quem fica!