Contrariando a prática geral da grávida neurótica, eu nunca tive pensamentos obscuros e obsessivos aonde minha filha não gostaria de mim. Eu sempre soube que a gente seria um grude e que seria amor à primeira vista.
Mas um dia eu estava rejuvenescendo e me energizando com Queen, Joan Jett, Vixen, Van Halen, Led Zeppellin e outras coisas que eu ouvia quando era adolescente. E enquanto eu ia descendo ladeira abaixo no gosto musical de quase todo mundo que eu conheço, fiquei me perguntando o que a Victoria iria ouvir quando ela tivesse 16 anos. E se ela ia achar a gente careta, cafona e iria nos ver como aqueles pais e mães que nunca fizeram nada de interessante.
A verdade é que eu fiquei pensando no conflito de gerações e que ele certamente iria acontecer mais cedo do que tarde. E fiquei ainda mais chocada de perceber que quando minha fofolete completasse 20 anos eu estaria com quase 60. E alem do paniquito que me deu de estar meio velhusca eu queria que a minha filha soubesse que os pais dela tinham sido pessoas interessantes na juventude. Que a gente aprontou, curtiu e viajou. Mais importante do que tudo, eu queria que ela soubesse o que eu estava sentindo enquanto estava grávida e quando ela nasceu. O que eu estava lendo, ouvindo e vendo. Que ela ficava inquieta na minha barriga enquanto eu fazia Pilates, mas que se aquietava quando eu fazia hidroginástica. Que o amor que eu estava sentindo era absolutamente infinito. Todas as minhas expectativas como mãe. E minhas duvidas e ansiedades enquanto eu estava engatinhando na arte de educar um filho.
E assim nasceram as Cartas para Victoria. Começou quando ela ainda estava na barriga. De início eu queria escrever uma carta por mês. E entregar pra ela quando ela casasse ou tivesse seu próprio filho. Mas eu não tenho essa disciplina. Então são cartas esparsas, que eu escrevo quando bate inspiração. Às vezes eu coloco umas fotos, uns vídeos, adiciono uns artigos de revistas ou blogs. Eu sempre coloco datas e tento explicar meus sentimentos e emoções naquele momento da minha vida. E falo um pouco sobre tecnologia, produtos, moda, beleza. Assuntos que estarão completamente obsoletos em muito pouco tempo e ela vai poder dar gargalhadas comigo em 20 anos, quando o IPad era sonho de consumo e usávamos sapatilhas.
No futuro ainda distante devo transformar esses escritos esparsos em um romance epistolar e entregar de presente quando eu achar que ela já é sabia o suficiente. E acho que ela vai adorar. E eu também vou adorar relembrar esses pequenos momentos banais que a gente vai esquecendo na medida em que vamos vivendo nossas vidas atribuladas.