Começo sem saber como. Como assim, meu filho não quer mais mamar?!
Se tem uma coisa que toda grávida sonha (ou tem pesadelos) é a hora da amamentação. Seja porque é o que esperam da gente enquanto mamífera ou porque a sociedade estimula e impõe. Nos dias de hoje são muitas as bandeiras hasteadas em torno da alimentação do bebê: amamentação exclusiva até os seis meses, livre demanda, milhões de anticorpos, QI elevado, saúde eterna e, provavelmente em alguns anos, irão atribuir o sucesso na vida aos que foram amamentados exclusivamente no seio até os seis meses. Para os que ultrapassaram essa etapa, como muito se tem alardeado sobre o “attachment parenting”, o céu é o limite e a capa da Forbes estará garantida.
Sou nutricionista, e se tinha um pecado capital que eu não queria cometer e correr o risco de ter meu CRN cancelado era o “não darás complemento ou leite artificial até os seis meses de idade do seu filho”. Me preparei de todas as formas possíveis: tomava sol no seio, fiz a festa do “estica e puxa” nos bicos e dessa forma, se a dor existisse, seria minimizada pela dessensibilização já provocada.
Eu andava na rua e tinha orgulho do meu peito. Foi ele, antes da barriga, que anunciava a minha gravidez. Minha barriga só apareceu depois dos seis meses, mas os seios, ah, os seios, esses foram a prova de que a fartura estava por vir. Já diz o ditado: tamanho não é documento, não é garantia de produção, mas mesmo assim acreditei que conseguiria alimentar meu filho ao menos até os seis meses.
Vida passa, filho nasce e quanta emoção ele chegando pra mamar. “Perfeito”, a assistente de lactação do hospital elogia a pega e a minha desenvoltura. Filho mama muito. “Esganado” diziam amigos e parentes. “Menino é assim!”, ouvia das auxiliares. Meu conto de fadas acontecia.
Os dias foram passando, sem rachadura, sem peito esfolado, sem falta de leite. Criança feliz, mãe realizada. Mas o que era bom durou pouco e logo no segundo mês, após cada mamada, uma sirene de choro tocava. Ele não tinha refluxo ou cólica, era só a carinha de dor, muita dor. Depois de alguns episódios, eu sofria por antecipação. A hora da mamada ia chegando e a tensão só aumentava. Conto de fadas com bruxa, será que ela envenenou meu leite ?
Depois de alguns dias fomos consultar o pediatra e começamos um verdadeiro rastreamento. Primeiro diminuimos o tempo de mamada: a livre demanda virou 30 minutos para ele comer o máximo que conseguisse. O choro continuava e eu não sabia se era de fome ou dor. Em nova consulta ao pediatra, ele perdeu mais de 10% do seu peso e tomamos medidas mais drásticas. Mantinhamos os 30 minutos no peito, complementando com 30ml de fórmula e antiácido 3x ao dia. Bingo! Ele tinha uma secreção aumentada dos ácidos do estômago então, quanto mais sugava, mais ácido produzia.
A tríade funcionou até a metade do terceiro mês e acredito que o stress, o cessar da livre demanda e a fome continuada do pequeno, aliados a facilidade de saciar a fome rapidamente via mamadeira favoreceram a rejeição ao peito. Tentei tirar o leite para colocar na mamadeira, mas sem estímulo continuado a produção do leite enfraqueceu.
No meu caso, relactar nunca foi uma opção. A mamadeira foi uma realidade difícil de aceitar, junto com o antiácido que acompanhou ele até os sete meses.
Hoje, passados 19 meses, estamos todos bem, felizes, saudáveis e afetivos. Não há sinal visível da privação do leite materno, meu CRN ainda está ativo e somos bem sucedidos como família. Forbes, Veja ou a capa de vários álbuns de família, vamos aguardar.
Crédito de imagem: Melinda Nagy