Ao nascermos somos um poço de sentimentos. Sem margem de segurança e sem preparo, somos invadidos por emoções avassaladoras que não pedem licença e vão moldando a nossa identidade, a maneira de nos relacionarmos com o mundo e com a própria fragilidade. Vamos construindo muros, labirintos, portas e janelas para tentarmos dar conta da impossível tarefa de controlar o que permitiremos que nos toque e o que ignoraremos. E assim homens e mulheres vão crescendo e se desenvolvendo deixando sua sensibilidade cada vez mais distante, afinal não seria possível se sensibilizar com tudo o tempo todo.
O mundo interno se torna uma caixa de pandora, e a tentativa de se manter no que conhecido para não ter surpresas funciona razoavelmente bem para o que vem de fora. Na gravidez, esse poço represado borbulha e rompe inúmeras contenções. Como se defender de algo que vem de dentro? É uma vivência que resgata emoções sentidas ao longo da vida em um curtíssimo período: 9 meses. A mulher revive o que sentia enquanto bebê, o turbilhão da sexualidade vivido na adolescência e precisa se deparar com a imagem da mãe que teve, a que gostaria de ter tido ea que gostaria de ser. Administrar os papéis de mãe, filha, esposa, profissional, mulher e amiga é semelhante à tarefa de um equilibrista de pratos: quase todos os dias um se estatela no chão.
É como se todos os fantasmas viessem para assombrá-la simultaneamente. Não é coincidência o fato de muitas gestantes relatarem inúmeros pesadelos. Em meio a esse conflito, nasce um ser totalmente dependente, frágil demandante de dedicação exclusiva. Nem sempre essa luta com os próprios fantasmas já cessou antes do bebê nascer. E é por isso que muitas mães não arrumam forças para abdicar de si e viver em função de seus bebês. Ao contrário do que muitos pensam, a depressão pós parto vai muito além da vontade de ter ou não um filho. A necessidade de lamber as próprias feridas se sobrepõem à de lamber a cria e, nessa hora, receber críticas é cruel.
A dupla mãe-bebê precisa de cuidadores que possam ajudar a mãe a entender que essa mesma relação tão demandante é a que tem mais potencial de cura. Que não é necessário se defender pois aquele bebê não está vindo lhe tirar nada, e sim, trazer a oportunidade de renovar e renascer :reescrever os laços com a própria história.
Quando o bebê sai da barriga, a relação idealizada é atacada; forçada a ser substituída pela relação real e possível. A mãe se depara com todas as suas limitações e é obrigada a repensar seu desempenho e suas expectativas. Que mãe não imagina ter um bebê que sorri o tempo todo, come tudo, dorme a noite toda e é super carinhoso? Por um lado, é importante a construção da imagem de seu bebê antes dele nascer pois éum investimento emocional na relação. No entanto, deve existir sempre uma margem para que ele possa ser ele mesmo, atingindo algumas expectativas e surpreendendo em outras. Para isso temos que considerar um tempo de adaptação. Algumas pessoas reagem melhor a imprevistos que outras.
Nem todos os maridos são sensíveis e atentos no pós parto e para muitos, os primeiros meses são um período onde se sentem postos de lado. Uma rede familiar que dê suporte é imprescindível. Uma avó que auxilia nos cuidados ou até uma babá carinhosa podem ajudar a mãe a lentamente ocupar o seu posto.
É importante destacar que o sentimento depressivo das primeiras semanas não é necessariamente uma depressão pós parto. Por questões hormonais, privação de sono e alta exigência, 80% das mulheres passam pelo que os americanos chamam de baby blues. A depressão sóé de fato diagnosticável após algumas semanas. Não é preciso ter vergonha de buscar a ajuda de um profissional pois este não irá julgar o desempenho, e sim amparar o sofrimento.
Na depressão, existe uma perda de interesse em praticamente tudo. A mulher não sente mais prazer em fazer o que antes lhe agradava, não se importa em cuidar de si mesma e às vezes nem consegue cuidar do bebê. Passa os dias chorando ou extremamente irritada. Quem teve filho sabe que acabei de descrever praticamente todas as mães no primeiro mês após o parto. De fato, o que diferencia a normalidade da depressão éa intensidade. Para que a mãe possa se conectar profundamente com as necessidades de um recém-nascido, é inevitável que perca, em certo grau, o interesse por tudo o que não diz respeito a essa relação. Essa abdicação só não fica insuportável quando a mãe consegue se satisfazer profundamente com partes dessa relação: um sorriso, a cara de saciedade e relaxamento após uma mamada, o carinho na pele macia ou simplesmente o orgulho de ter criado aquele pequeno ser. Sem esses segundos de felicidade, só resta exaustão.
Imagem: footloosiet