Caiu o primeiro, o segundo, terceiro e quarto dente do meu filho. Tudo bem, tudo certo, que lindo, guarda numa caixinha. Quando o de cima caiu, ele me disse que iria colocá-lo embaixo do travesseiro para ganhar um dinheirinho da fada do dente, afinal, todos os amigos ganhavam e ele nunca tinha recebido uma moeda sequer.
“Fada do dente? Nunca teve fada do dente na minha infância, achei que fosse um costume exclusivamente americano. Mas, beleza, vamos lá. Como é mesmo? A criança deixa o dente e quando acorda encontra uma moeda. Melhor deixar uma nota…”, pensei.
De noite, ele colocou o dente debaixo do travesseiro e dormiu… e eu também. No dia seguinte, veio cedinho no meu quarto falando que a fada não tinha passado. Não sei se por causa da hora, do sono, ou porque simplesmente não achava justo sobrar para a pobre da fada, que devia estar ocupada nos Estados Unidos, eu falei: “Filho, já caíram 4 dentes seus e nunca teve essa história de fada do dente aqui em casa, você sabe que ela não existe, né? É uma brincadeira que as mães fazem com os filhos.”
E seguiu o seguinte diálogo, que transcrevo abaixo para ele levar impresso na terapia:
– Por que você está me contando isso? Você está estragando a minha infância…
– Filho, desculpa, mas na minha casa nunca teve isso e eu nunca soube direito como fazer. Sabe o que a minha mãe fazia? Ela guardava os dentes em uma caixinha, igual a gente faz. Ah, e uma vez ela fez um colar com um dentinho meu.
– Um colar com o dente? Igual um canibal?
– Canibal faz isso?
– Todos os meus amigos acreditam na fada do dente. Fulano ganhou uma vez 20 reais dela e eu nunca ganhei nada.
– Desculpa, filho, mas é meio estranho uma fada pegar dente, né? O que ela faz com eles? Tipo o coelhinho da Páscoa… Por que um coelho vai trazer ovo? E de chocolate? Não faz o menor sentido. – falei, piorando ainda mais a situação, claro. (Só pra esclarecer: ele já tinha descoberto antes que o coelhinho da Páscoa não existia pois um amiguinho da escola contou. Eu tentei convencê-lo do contrário várias vezes, mas não teve jeito.)
– Eu queria continuar acreditando no coelho da Páscoa ainda, mãe. Não queria ter descoberto que ele não existe. Eu gosto de caçar ovinhos.
– Claro que você vai continuar, meu amor, vamos sempre esconder os ovinhos para você procurar na manhã da Páscoa, com coelhinho ou sem.
– …
– Mas o Papai Noel é de verdade, ele existe mesmo, olha que legal. O Papai Noel é demais!
– Mãe, eu não vou contar pra ninguém na minha escola que a fada do dente não existe porque não quero estragar a infância deles como você estragou a minha. Eu vou guardar esse segredo para eles poderem aproveitar enquanto podem – ele me disse resignado.
– Desculpa, eu não sabia que isso era tão importante pra você.
– Tudo bem, mas eu quero que você faça a fada do dente mesmo assim, tá? Eu vou dormir essa noite e quando acordar eu quero encontrar um dinheiro embaixo do meu travesseiro.
– Claro, a gente brinca de fada do dente, então. – Concordei, me sentindo a pior mãe do mundo.
Então ele adormeceu. Com medo de dormir e esquecer novamente, corri para colocar o dinheiro embaixo do travesseiro. Mas ele ainda não estava no sono profundo, acordou e e me lançou aquele olhar de reprovação: “você tem que esperar eu dormir, mãe…” Esperei bastante e coloquei o dinheiro. No dia seguinte ele acordou, pegou a nota de 50 reais (podem me julgar) e chegou na sala cabisbaixo: “Não adianta, mãe, não é a mesma coisa, eu sei que foi você. Toma o dinheiro, deixa pra lá. Não tem graça, perdi uma parte da minha infância.”
Arrasada, peguei os 50 reais e saí para comprar um pote de sorvete para comer direto na colher. No caminho até o mercado, quase pedi um abraço para um estranho.
Imagem destacada: Robert S Donovan