Mundo Ovo

O que eu fiz com a criança que não queria comer na viagem?

A criança que não come em viagem pode estragar o passeio de uma família inteira. Não estou exagerando. Se a família em particular for meio neurótica com comida, como a minha, a coisa vira um bicho de sete cabeças. E dá-lhe substituir por Q-U-A-L-Q-U-E-R coisa que a criança aceitar ou correr pro primeiro restaurante brasileiro que aparecer na frente, para ver se não é falta da duplinha arroz com feijão. Aqui no Mundo Ovo esse é um tema recorrente e nossos leitores vivem perguntando o que eles devem fazer com a criança que, bastou por o pé fora de casa, resolve fechar a boca?

Em geral, aqui no Mundo Ovo, nossos filhos comem bem. A Mariana contou aqui como o Tom virou um pequeno gourmet na última viagem deles. Mas a Paty contou aqui o drama dela com o Danoninho. E eu até poderia tentar me inspirar, mas sabe como é: criança acorda de um jeito num dia e no outro dia a coisa muda de figura.

Nessas minhas últimas férias eu vivi o drama de uma criança que fechou a boca para tudo. Passamos 15 dias fora e ela não queria comer nada. Ela já andava meio da pá virada com comida aqui no Rio mesmo. E bastou a gente embarcar no navio, com aquele mundão de comida gostosa, que ela resolveu que ela não gostava mais de comer N-A-D-A. Iogurte? boca fechada. Pãozinho? Ela cuspia. Ovinho mexido? Eca! Aliás “eca” e “eu não gosto disso” foram as frases que eu mais ouvi nessas férias.

No começo fiquei histérica. Ela tinha saído de uma pneumonia braba dois meses antes e tudo o que eu queria era mantê-la saudável. Bom… saudável ela ficou. Mas era olho e cabelo. Comecei a cogitar se não era “um estado familiar de ser”. Minha irmã fazia a mesma coisa quando criança. Era viajar até pra esquina que ela não comia mais nada. Quando chegava em casa, ainda na porta ela dizia: “tô com fome, me dá alguma coisa pra comer?”

No navio eu fiquei histérica. Foram quatro dias em que eu estava fazendo qualquer coisa pra ela comer. Ela basicamente comeu uva, maçã e leite. Ah! E sorvete de casquinha de mirtilo. Nada de pães, ovos, macarrão, bifinho. Quando muito beliscava uma batata frita, mas virava a cara pro hambúrguer. Dava duas colheradas no mac & cheese e gritava um “eca!” bem alto pra todo mundo ouvir. Legumes e verduras? Não podia nem colocar na frente dela. Fiquei arrasada, me senti uma mãe péssima, todo aquele lenga lenga que a gente já conhece.

Quando desembarcamos em Miami, eu me vi pedindo itens do menu adulto, só pra ver meu suado dinheirinho ir pro lixo. Ela beliscava aqui, catava um grãozinho acolá. Comecei a desanimar. E a dar uma mamadeira pra ela na parte da tarde (coisa que já não fazíamos mais).

Aí, quando chegamos em Orlando eu disse pra minha mãe: “o negócio é o seguinte. Chega de deixar ela beliscar coisas dos nossos pratos, comer duas garfadas de cada coisa e mamadeira fora de hora. Se ela quer passar fome, ela vai passar fome mesmo. Só vai comer quando tiver fome. E aí eu vou colocar um prato de comida na frente dela.” Eu tava braba e minha mãe me olhou com um olho arregalado de quem ia pegar a menina escondida e levar no Camila’s, restaurante brasileiro em Orlando. Ela bem sabe que eu detesto fazer isso, que a gente precisa mostrar para as crianças a gastronomia local, que elas precisam ser expostas a outros ambientes. De mais a mais, na última viagem do ano anterior a Victoria já tinha ido ao Camila’s e começado a sessão de “ecas” e no fim não comeu nada.

E assim foi. Victoria acordou no dia seguinte bem cedo. Tomou uma mamadeira. Duas horas depois saímos pra tomar café.
– Victoria quer tomar café?
– Não. Eca!
E assim ela não comeu nada. Não beliscou do nosso prato, não tomou um suquinho.
Hora do almoço. Paramos num restaurante bacana.
– Victoria. Eu vou pedir isso, sua vó vai pedir aquilo. Olha, filha, tem ainda isso, aquilo e mais aquilo outro. Vamos comer?
– Não. Eca! Não gosto.
Ficou sem comer. Não tomou mamadeira na parte da tarde. Não tomou sorvete do Mickey, não comeu algodão doce.
16 horas.
– Mamãe, eu acho que eu tô com um pouquinho de fome. Me dá uma pipoca?
– Não. Se você quiser comida e comer bastante, depois eu te dou uma pipoca de presente. Quer?
Tentou dar um ataque de pelanca. Fiquei irredutível e ela ficou braba, mas continuamos andando.
Meia hora depois.
– Mamãe eu acho que eu estou com um pouco de fome.
– Olha só, filha, aqui no parque tem turkey leg que a gente pode desfiar e você come com milho cozido gostoso e uma fruta. Tá bom assim?
– Tá, mamãe. E assim Vicky comeu sua primeira refeição completa. Que vamos combinar, era gostoso pra caramba. Comeu meia coxona de peru desfiada, um milho cozido inteiro e uma maçã de sobremesa. Ganhou um sacão de pipoca de presente, mas que nem comeu, pois tinha batido o maior pratão.

E assim seguimos o resto da viagem. Quer comer, muito bem. Não quer comer, também não vai se encher de besteira ou ficar beliscando pra tapear.

Quem me conhece sabe que eu sou zero neura, e em viagem então eu sou bem relax (tirando algumas coisas que não pode comer nunca tipo cheetos, refrigerante, biscoito recheado etc.). Pode comer pipoca doce, batata-frita, pizza, tomar sorvete do Mickey depois do café da manhã, pode comer pacote de balas de gelatina e pirulito. Pode até comer chocolate. Mas também precisa comer frutas, macarrão com franguinho, bife com purê de batata, legumes, tomar canja, comer pão, enfim… um mínimo de bom senso, né, gente? Mas ela tava de uma maneira que eu tive que radicalizar e literalmente larguei a criança com fome um dia inteiro até às cinco horas da tarde. Minha mãe quase chorou. Mas depois disso a coisa melhorou um pouco e, embora ela não estivesse 100%, ou sequer 80%, pelo menos ela estava comendo o mínimo.

Acho que foi a primeira vez que eu radicalizei com a Vicky, que está acostumada a ter uma mãe super flexível. Mas sei lá, funcionou. E ela, até o final da viagem, estava fazendo as refeições em horários meio bagunçados, mas comendo direito.

Longe de mim dar esse conselho pra vocês de largar criança com fome quase um dia inteiro. Isso aqui foi um momento de radicalismo meu com uma criança que estava fazendo a maior birra pra comer e mais: estava sempre tapeando o estômago com alguma guloseima, desde o início da viagem.

Mas a teoria do banzo ficou com a gente. Quando ela entrou dentro do avião de volta pra casa ela gritou tantos “Vivas!” e deu tantas risadas felizes, falando pra todo mundo que tava indo pra casa, que os comissários de bordo deram risada dela. E por fim, posso te contar que ela comeu duas refeições de avião? Franguinho com arroz branco e legumes. E pão com manteiga. Vai entender…