Separar gêmeos na escola é uma dessas questões controversas que dividem a maternidade. Algumas famílias se mostram favoráveis a deixar os irmãos juntos na mesma turma, com a base na ideia de que os irmãos gêmeos têm uma relação diferente, pois eles vivem juntos desde a barriga e precisam da companhia um do outro de forma ainda mais intensa do que irmãos não múltiplos. E existem as famílias que apóiam essa separação de turmas, pois, apesar de terem uma relação especial, os irmãos gêmeos não são a mesma pessoa. Possuem personalidades diferentes, ideias distintas, e um padrão de comportamento que precisa se desenvolver separadamente.
Eu conheço várias famílias com filhos múltiplos e somente algumas delas têm as crianças estudando nas mesmas turmas, com expressa permissão das escolas. A experiência que eles contam é que juntos os irmãos se ajudam, ficam mais unidos e isso facilita nos estudos. Eles dividem os mesmos amigos, fazem cursos de línguas também juntos, enfim, são grudados. Tanto pais quanto irmãos parecem achar essa a situação ideal, já que eles estão juntos desde a barriga e nada melhor do que dar continuidade a essa relação.
Minha família faz parte do time que optou por separar as crianças. Julia e Luisa, hoje com 11 anos, estão em turmas diferentes desde os seis anos, quando foram para a alfabetização.
Todas as escolas que eu visitei aqui no Rio de Janeiro não permitem gêmeos na mesma turma. No início eu relutei um pouco com a ideia de separá-las, mas no final concordei com as alegações da escola que eu escolhi para elas estudarem. Elas são gêmeas idênticas, mas são seres humanos únicos. Apesar de estudarem em período integral, só ficam separadas na parte da tarde. E acho mesmo que o fato de cada uma ter sua professora e amigos, não vai “quebrar” ou esfriar a relação delas e, menos ainda, atrapalhar o relacionamento com os pais. Quando elas brigam é porque irmãos brigam e é normal e é saudável.
Hoje, acredito ainda mais que para o desenvolvimento da personalidade de cada uma é importante que elas fiquem em turmas distintas.
Mas não foi fácil. O primeiro ano foi um desastre. Elas não entendiam a necessidade de ficarem separadas e não aceitavam a ideia. Quando elas frequentavam a creche ficavam na mesma turma e era bom, então porque na escola grande não podiam?
Elas aprontaram bastante: trocavam de mochila, de agenda, de estojo, fugiam uma para sala da outra. Depois que se acalmaram e aceitaram a ideia, passamos por um período muito bom. O sofrimento diminuiu, parou o chororô e eu não fui mais chamada na escola. Elas voltaram a sorrir, passaram a amar a escola, as professoras e os amigos.
Um pouco mais pra frente, uma começou a ter ciúmes da outra por conta dos amigos. A Luisa, que sempre foi mandona, começou a perceber que a Julia tinha amigas e amigos, enquanto ela só tinha amigas. Julia começou a se desprender mais da irmã e Luisa não aceitou bem a ideia da Julia se tornar mais independente dela. Diante dessa situação começou uma enorme competição entre elas. Lá fui eu na escola conversar com a psicopedagoga.
Tudo finalmente se acertou com muita conversa. Precisei mostrar pras duas que elas têm o direito de terem seus próprios amigos, gostos diferentes e eu sempre completava com exemplos práticos da realidade de cada uma. Luisa não gostava muito das brincadeiras de “menino”, como jogar futebol ou basquete, não era a praia dela. Ela preferia levar um monte de enfeites de cabelo e brincar de cabeleireiro na hora do recreio. Por isso, ela não gostava dos meninos.
Aos poucos fomos percebendo a evolução de cada uma e as personalidades foram se desenhando. Junto com a escola, seguimos adiante incentivando o crescimento de cada uma e explorando as suas habilidades.
Hoje cada uma se destaca mais em alguma atividade e de quebra a competição entre elas diminuiu consideravelmente. Os amigos e amigas são compartilhados na hora do recreio, mas percebemos que existem as preferências. Eles participam mais de brincadeiras em grupo, assim podem estar sempre juntas como gostam. Em casa, se o dever for o mesmo, fazem juntas, mas procuramos separá-las nessa hora para estimular a concentração, que nessa idade ainda é muito precária. Na hora da leitura extraclasse gostam de dividir a cama e o livro. Ao final discutem o que entenderam e fazem um resumo mental antes de dormir.
Não me arrependo em momento nenhum sobre a decisão de separá-las. Só temos elogios ao trabalho da escola e pouquíssimas restrições. Lá no fundinho do meu coração eu não queria vê-las crescendo, seria mais fácil se permanecessem sempre pequenininhas. Mas a realidade da vida é outra e precisamos preparar nossos filhos para o mundo.
Penso que se elas ficassem na mesma turma, seria mais difícil essa transição para a segunda infância, a dependência emocional uma da outra poderia se tornar uma “simbiose” e no futuro a ida para o pré-vestibular, a escolha da carreira profissional entre outras tantas decisões de vida, seria mais difícil por não aceitarem a separação.
Penso ainda que elas poderiam crescer sendo pessoas inseguras, já que não se permitiriam fazer nada sozinhas. E muito mais do que isso, atrasaria o desenvolvimento individual de cada uma. Nessa hora me vem a cabeça a afirmação da escola: elas são seres humanos únicos! E de fato são tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. E esse é sempre o maior desafio para os pais de múltiplos e consequentemente para os próprios irmãos, tão acostumados a se enxergar no outro logo ao seu lado.