A minha criança de dois anos

Numa recente palestra sobre ” as dificuldades de educar uma criança de dois anos” era perceptível  a angústia da maioria. Muitos casais perguntavam sobre birras, brigas e como estabelecer limites. O palestrante, um psicanalista, se encontrava diante de um impasse. Tentava, sem comprometer as exigências do trabalho analítico, responder às questões sem dar fórmulas mágicas. Repetia, quase como um mantra: “Cada caso é um caso”. Tal frase, que se tornou lugar comum tanto em conversas de bar quanto em ambientes acadêmicos, não ajuda muito quando o assunto são nossos próprios filhos, muito menos o autor que pretende escrever sobre um assunto delicado como a infância sem cometer leviandades.

Para aprofundar as questões em relação à disciplina e educação, constantes nos “terrible twos”, começamos pensando em nossos filhos como idealizados. Ou seja, eles passam a representar o que fomos, gostaríamos de ter sido ou o que gostaríamos que eles fossem. Quando cuidamos dos nossos filhos buscamos, ainda que inconscientemente, reparar nossa infância e os erros dos nossos pais evitando frustrações e desilusões desnecessárias em um tempo de fantasias—ou, contrariamente, repetindo o que nos confortou em momentos de insegurança.

Os dois anos são uma idade especialmente desafiadora, muitas vezes referida como a “adolescência da primeira infância”. Aos dois não há mais bebês mas ainda não há uma criança. O comportamento e os sentimentos oscilam entre esses modos existenciais. Uma criança de dois anos tenta compreender o mundo a partir do comportamento dos adultos a sua volta, mas retorna rapidamente aos seus mecanismos mais primitivos como chorar, gritar, bater, morder, frente a uma dificuldade. A imaturidade de seu aparelho psíquico propicia o retorno, mas ainda assim é preciso ir em frente, testando o mundo.

O que entra em conflito nesse momento é o lugar dos pais. Como lidar com essa criança/ bebê? Como fazer exigências  ou esperar coerência de uma criança que rapidamente desfalece no chão no mais intenso chororô ? É importante estar desarmado do velho discurso “vou agir desse modo pois comigo funcionou” . É necessário abrir mão do desejo  de perfeição que alimentamos enquanto pais. Crianças precisam de explicações que podem nos parecer óbvias e,  lidar bem com  nossos limites e frustrações é um grande ensinamento para elas . Acompanhar o crescimento de um filho é abrir mão das idealizações quanto a ele e a nós mesmos.

É preciso ter consciência de que não é só a disciplina das crianças que está em jogo. As nossas pequenas Lucianas, Joanas, Marias de um, dois, três …. anos, também estão. Nossos pais estão. Ao começarmos a enxergar os entraves quanto a nossos próprios passados, mais simples será lidar com nossos filhos. Cada um tem a sua personalidade e sua maneira de encarar frustrações. Desde os primeiros meses de vida essas idiossincrasias começam a se definir em cada ser humano. Assim como os pais vão se tornando pais a partir do momento que dão sentido ao mundo de seus filhos,   eles  dão novo sentido ao nosso passado.

 

Imagem: Stephanie Chapman

bicicleta jyrobike
Postagem anterior
Jyrobike - Aprendendo a andar de bicicleta em uma tarde
sono-bebe
Próxima postagem
Saiba por que o seu filho precisa dormir bem

10 Comentários

  1. Antonia Leite Barbosa
    29 de agosto de 2014 at 8:29 — Responder

    Luciana,

    Meu filho está vivendo seus terrible twos quase aos três anos e muitas vezes não sei qual o meu papel. Em outros momentos fico incrédula de que ele tenha uma personalidade tão diferente da minha… gostaria de continuar lendo seus textos nesse site tão bacana. Beijos,

    Antonia

    • Luciana Ferraz Bocayuva
      30 de agosto de 2014 at 10:21 — Responder

      Antonia,
      espero poder contribuir em suas questões com seu filho.
      Até o próximo!
      Beijos

  2. Fernanda Londres
    29 de agosto de 2014 at 14:03 — Responder

    Parabéns por abordar um tema tão delicado e bem mais complexo que são “os pais” – e não os filhos.. “a minha criança de dois anos” dentro de cada pai e mãe.

    Queremos mais!

    • Luciana Ferraz Bocayuva
      30 de agosto de 2014 at 10:29 — Responder

      Fernanda,
      Nem sempre é fácil falar sobre este novo lugar que temos que ocupar na chegada de um filho.
      Que bom que o texto ficou claro pra você.
      Até o próximo!

  3. Líria Knutti
    2 de setembro de 2014 at 10:47 — Responder

    Luli, tem uma música que fala: ” Como é que um filho pode ser assim, tão diferente de mim?” E é isso mesmo!!! Deixar ele emergir sendo ele, e não nos nossos desejos do que queremos que ele seja…aí está o dificil pulo do gato! Tbm temos que aceitar essa necessária frustração ( nossa ) para acompanhar a beleza do surgimento deles.
    Bjo grande.

  4. Luciana Ferraz Bocayuva
    2 de setembro de 2014 at 19:22 — Responder

    Oi Liria,
    Obrigada pela colaboração.
    Beijo grande

  5. Flavia Perestrello
    4 de setembro de 2014 at 19:03 — Responder

    Ótimo texto! Parabéns! Bj grande e saudades

    • Luciana Ferraz Bocayuva
      9 de setembro de 2014 at 10:58 — Responder

      Flávia! Que bom que gostou.
      Beijo grande pra você e pro pequeno!

  6. Joana Bocayuva
    8 de setembro de 2014 at 18:16 — Responder

    Adorei o texto. Duro ser mãe de um terrible two tão fofo! Certamente estou fazendo algo errado! rs
    Beijo com carinho!

Envie uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Voltar
COMPARTILHAR

A minha criança de dois anos