De vez em quando pipoca um bom texto na Internet sobre a aventura da maternidade solo. Alguns criticam os pais que se acham a última garrafa de água do deserto, mesmo quando a mãe é quem tá ali na ralação do dia a dia. A fácil paternidade é um exemplo cômico se não fosse trágico. Outro nem tentam fazer graça como Pai quando dá e É possível cobrar que um pai cuide do filho. As mães também estão escrevendo por aí e nesse ponto nada supera as tirinhas da mãe solo.
Desde que escrevi o post Mãe e separada: uma nova dinâmica familiar, sobre a minha própria separação, que recebo centenas de mensagens de apoio, depoimentos, dúvidas e comentários. Mas confesso que eu parei aí nesse post, compartilhando um pouco a dor sobre como sobreviver no início, como achar a própria tábua que vai evitar que você se afogue em tanta tristeza.
Mas tem mais. Muito mais. Depois que você supera a dor – ou pelo menos enterra ela bem no fundo do âmago do seu ser –, você sacode a poeira e vai lá criar a criança, fazendo o melhor possível, sabendo que é solitário pra #$@**¨%$ (insira aqui seu palavrão predileto) e que você ainda precisa achar forças pra ser feliz.
Mas tem mais. Muito mais. A vida é maior que a maternidade, minha gente. E é esse mais que eu quero compartilhar com você.
1) Mãe solteira, eu?: Você vai ter dificuldades de encarar o termo “mãe solteira”, afinal foi casada coisa e tal. Num bate-papo com a Fernanda Nunes ela me chamou pra real: “Você não é mãe? Seu estado civil não é solteira? Então para de engasgar e assume logo isso” E assim você vai começar a usar timidamente o termo, até sair completamente do armário.
2) Tirar o atraso, nem que seja por despeito: No início pode ser que suas amigas solteiras pirem um pouco e queiram arrumar pra você uns 30 sujeitos para você ocupar a cabeça. Um pra cada dia do mês. Elas vão te dar um curso intensivo sobre o mercado do sexo no século XXI. Por fim vão instalar o Tinder no seu telefone e sair curtindo uns moços, pois você se recusa sequer a olhar esse troço. Vão te arrastar pra fora de casa para programas que você tinha abandonado no século passado. Você vai se achar uma estranha no ninho. Vai também fazer as contas e lembrar que a última vez que você beijou alguém pela primeira vez era 1998. #$@%. A vontade que dá é de voltar pra casa. Mas não volta não. É que nem andar de bicicleta. Se elas te arrumarem os tais 30 sujeitos, melhor ainda.
3) A fase ermitã: Passado o furacão e a quantidade industrial de homens que suas amigas te arrumaram, você vai dar uma parada. Aqui é onde mora o perigo. Você fica mais em casa até que fica de vez e resolve encarar o desafio “zerar o Netflix”. Final de semana chega, criança na casa do pai, e você fica 48 horas seguidas com o mesmo pijama, com guloseimas na cama, assistindo todas as temporadas de Charmed e agradecendo ao Netflix pela graça alcançada de não ter mais nem que mexer no controle remoto pra passar pro próximo capítulo. Derrota.
4) O equilíbrio, enfim: Mas em algum momento você encontra o meio termo. Sai, mas também curte ficar em casa curtindo o silêncio, as crianças e tudo bem. Já entendeu que não deve mais nada pra ninguém e também não sai só pra achar alguém. Vai curtir as coisas que você gostava antes e durante o advento do casamento e da maternidade: ver umas exposições, curtir uns programas diferentes na sua cidade, levar seu filho para visitar pontos turísticos e de repente fazer uma trilha. Você adorava praia! Por que mesmo que deixou de ir?
5) Mãe solo-itária: Passou um tempo, a vida acalmou, você achou a sua nova vibe e é aí que você consegue compreender a solidão da mãe solteira. A criança tá louca e você no seu limite e não tem ninguém pra ficar com o pequeno monstrinho enquanto você toma um banho frio pra se acalmar. Num dia lindo, sua filha escreve o nome pela primeira vez e você comemora com (…) bom, comemora com ela. Mãe solteira precisa ser duplamente organizada, por que não tem mais ninguém do seu lado pra te dar uma força quando você está atrasada. Mas tudo bem. Faz parte e você, que além de solteira é guerreira, tira isso de letra. Mais ou menos.
6) Sobre organização: Aliás, falando em organização, as pessoas têm uma dificuldade de entender que você só conta com você mesma assim de última hora. Sua personal (sim, você arrumou uma personal) te liga porque vagou um horário em cima da hora e você tem que dizer não. Sua amiga arrumou um convite para aquela festa estranha com gente esquisita e é o seu final de semana, sua mãe tá viajando e sua irmã já foi dormir. Acontece. Não fique ressentida e vai assistir todas as temporadas de White Collar no DVD e ficar suspirando pelo Matt Bomer enquanto a cria dorme agarradinha ao seu lado.
7) Sobre solteiros sem filhos x solteiros com filhos: seus amigos solteiros e sem filhos comemoram a sua solteirice. E aí que no sábado vai rolar praia cedo. Depois vai rolar almoço naquele boteco incrível. Depois todo mundo vai emendar no boteco do lado, aquele que tem drinks incríveis. Aí você só tem tempo de tomar banho, descansar uma meia hora porque depois partiu festa na casa daquele sicraninho que tem um irmão gato recém-separado. Você, a velha chata de galocha, já começa dizendo NÃO: “Sabe o que é? Não posso sair o dia todo e a noite toda, tem criança e coisa tal…”. O amigo retruca: “Ué, mas cadê a babá?”. Você didaticamente desenha: “Então, babá não substitui a mãe”. E seu dia vai ser adaptado: você vai pra praia com criança e babá a tiracolo. Sai mais cedo da praia pra dar almoço pra cria que tá dando defeito de fome e sono. Vai fazer a criança tirar uma soneca pós-praia e apaga junto. E depois que deu jantar, banho, brincou de jogo da velha, boneca e carrinho, leu a história e fez a cria dormir, você olha pra sua cama, pensa na festa, olha pro DVD com aquele filme romântico, lembra do irmão gato e faz aquele esforço sobre-humano pra sair de casa. Vai pra festa amaldiçoando o salto, querendo muito colocar um chinelinho, mas né? Você é solteira e é isso que os solteiros fazem.
8) Logística: Essa logística de ser mãe e ser solteira é meio complicada. Depois de alguns anos tomando jato de vômito, falando de xixi e cocô, aspirando catarro e mais um sem número de afazeres glamourosos (#sqn), é quase impossível tirar a fantasia de mãe e ser aquela menina misteriosa, que faz gênero, que é meio-sexy-sem-querer-ser-mas-sendo e que fala de assuntos leves e variados. Vai ser dureza. Atualize-se!
9) A casa e o santuário: Minha casa e minha família de duas é como se fosse um templo e não é qualquer um que vem fazer parte do santuário. Se tem criança em casa, não tem festa estranha com gente esquisita; não tem carinhas que eu mal sei de onde saíram; não cabe o moço empolgado recém-separado que já quer fazer playdate com as crianças. Na minha casa e convivendo com a minha família de duas só cabe quem já faz parte da minha vida de verdade. E até chegar no ponto de apresentar um carinha pra minha filha… bem eu nem sei como é que faz para chegar nesse ponto. Mas você entende o que eu quero dizer né? Você sai de casa, mas só quem volta é a mãe.
10) Você é mãe antes de tudo: Durante um tempo você acha que quer voltar a ser aquele espírito livre da juventude. Se ressente um bocado do seu ex-marido que nem lembra mais o significado da palavra família, e tenta arduamente equilibrar mais esse pratinho na lista de pessoas que você já é. Uma hora cai a ficha. Você não quer ser mais nada daquilo. Os 20 anos já passaram. Aliás, os 30 anos também, pelo menos pra mim. Você quer ser a pessoa que você se tornou mesmo. Então você contemporiza. Um dia você quer brincar de ser solteira e sexy. Ou sair com a sua nova galera de solteiros (vocês acabam se reencontrando). Também rever suas amigas casadas e/ou com filhos (as que sobraram, porque é inevitável que algumas dessas suas amigas aí acabem sumindo) e no outro você quer ser quem você se tornou: mãe da criançada, chefe dessa família linda que você construiu.
Essencialmente, o que eu quero dizer é que: é difícil achar seu lugar nesse mundo onde você fica muito (MUITO) tempo achando que tá faltando metade de você. Mas o bom dessa história é que a gente se adapta, se acostuma e passa a gostar mais de viver essa vida. Eu sei bem que pode ser assustador e solitário criar uma família sozinha e ainda ser uma mulher solteira e desimpedida nas horas vagas. Mas você vai se livrando dos rótulos aos poucos. De repente você pode ser a mãe que vai pra pracinha de manhã e cai na gandaia no sábado à noite. Você acha que vai ser difícil virar essa chave. E é. Mas não pode desistir antes mesmo de tentar.
E por aí? Algumas palavras de encorajamento? Algumas pérolas da sabedoria popular? O que mais você aprendeu depois que virou mãe solteira? E você que sempre foi mãe solteira, pode ensinar mais alguma coisa pra quem está desbravando o mundo da maternidade solo?
Imagem destacada: Eduard Stelmakh para Shutterstock