Intolerância: que mundo queremos deixar para nossos filhos?

Nos últimos dias li, meio obcecadamente confesso, tudo o que eu podia sobre o Brexit. O referendo, que votou se a Inglaterra sairia ou não da União Europeia, está gerando instabilidade e esta não é só econômica: parece que os ingleses estão se aproveitando de que 52% do país votou sim para destilar, abertamente, seu ódio aos imigrantes.

Por onde passam, imigrantes estão atentos e com medo, pois os gritos de “Inglaterra branca” e “votamos para que vocês saiam do nosso país” tendem a escalar. Sempre pode ficar pior, mas já é bem ruim que adultos estejam achincalhando crianças nas ruas e ainda pior que essa intolerância já tenha chegado nas escolas inglesas. Prevejo que as coisas vão piorar um bocado ainda.

Intolerância é algo que me choca muito, embora talvez não devesse pois está tão difícil viver nesse mundo. Minorias deveriam estar “acostumadas” ao achincalhe público, certo? Claro que não! Esses dias uma amiga minha que tem um look exótico com cabelo colorido e muitas tatuagens estava contando, chateada, que ouviu impropérios aos berros na rua de uns caras de dentro de um carro, enquanto ela caminhava na rua. Um outro amigo, gay, contou que evitava andar pela rua tal depois de uma certa hora, por medo de ser surrado. Sentada ao lado de uma moça muçulmana no avião, ela me contava do desconforto que era andar na rua com as pessoas que cochichavam e apontavam para o seu véu.

A intolerância nem sempre é violenta (física ou verbal). As vezes ela também é velada. E eu, por exemplo, sinto na pele isso com frequência. Como representante ativa do grupo de pessoas obesas normalmente sou invisível. Há não ser que eu esteja comendo uma sobremesa em um restaurante. Aí rapidamente os olhares se voltam pra mim com aquela pergunta: “por que essa gorda está comendo uma sobremesa? Quem ela pensa que é?”

Na academia, um dia estava revezando com uma moça bonita e bombada. Estava fazendo agachamento com barra e, nesse dia, minha personal tinha colocado umas anilhas a mais. Depois de bufar um bocado, a moça comenta em tom levemente embasbacado: “nossa, você malha pesado, né?”. No que eu respondi orgulhosamente: “pois é, fiquei um ano fazendo exercícios de fortalecimento de joelho para chegar aqui.” E aí que ouvi: “nossa que vitória para uma pessoa como você.”. Eu, que não podia perder a piada respondi: “ah, mas eu não estou tão velha assim!”

As pessoas se chocam com o diferente. E elas acham que estão sendo tolerantes ou pelo menos disfarçando bem. Mas não estão. Outras pessoas confundem opinião com imposição. E isso a gente sofre com frequência aqui no Mundo Ovo e nossas amigas blogueiras penam com a mesma questão: como falar de assuntos polêmicos sem sofrer maus tratos verbais?

Todas nós já escrevemos sobre um tópico controverso na esperança de gerar algum tipo de debate ou reflexão profunda. Temas como empoderamento de nossas meninas, igualdade de gêneros, maior participação dos pais na vida em família e problematizações da vida real como tipo de parto e alguma coisa que fizemos de errado com nossos filhos (blogueira também erra, gente!) são temas certos da gente apanhar. “Mas você está escolhendo esse tema polêmico, agora aguenta”, já me vi falando para a minha sócia. “Você está querendo arrumar sarna pra se coçar bem no dia do seu aniversário?”, já ouvi de volta.

Temos milhões de visualizações e centenas de milhares de leitoras todo mês. É claro que vocês não vão concordar com todas as nossas opiniões. E nem eu desejo isso. Nem secretamente. O que eu quero é estimular bate-papo nos comentários do blog e nas redes sociais. Quero mulheres se apoiando, quero a gente colocando a mão virtual no ombro da outra e dizendo: “olha, não concordo contigo, eu faço de maneira diferente e funciona muito bem assim”.

Minhas leitoras fieis escrevem “Camila, amo tudo o que você escreve, mas dessa vez você foi longe demais” e para cada uma delas, vem uma enxurrada de “Você é uma chata, deixa as meninas fazerem o que bem entenderem!” ou “Isso é coisa de mulher mal-amada que não tem um homem pra cuidar dela!” (sim, eu precisei ouvir isso).

“Não somos perfeitas, mas temos obrigação de fazer movimentos de mudança em prol dos nossos filhos.”

Oras, que mundo queremos deixar para os nossos filhos? Por que a mulher que perde tempo de xingar outra de mal-amada, de chata, e de tantas outras indelicadezas, se aproveitando do anonimato da internet, está no mesmo balaio do homem que tacou pedra no paquistanês no meio da rua, mandando ele voltar para casa. A mulher que não tolera opiniões contrárias às suas, é a mesma mulher que vai permitir que seu filho bata no menino diferente na hora do recreio.

Não deu nem pra ler sem revirar os olhos (e o estômago) pelas pessoas culpando os pais pelo acidente na Disney em que um menino estava brincando em um lago no resort e foi levado por um jacaré. Cadê a empatia, gente? Cadê se condoer pela dor insana dessa família? Como alguém tem coragem de culpar os pais?

Sim, a intolerância vem tomando conta da vida das pessoas e elas não estão nem percebendo. Quando você ficar chocada que uma mulher adulta expulsou uma criança de um estabelecimento porque ela era negra e pobre, pensa se você tem o direito mesmo de se chocar ou se já deixou a intolerância invadir sua própria percepção. Não somos perfeitas, mas temos obrigação de fazer movimentos de mudança em prol dos nossos filhos. Por que do jeito que as coisas estão, não tem como ficar muito pior. E que sociedade deixaremos para eles? Pior: quem serão eles no futuro?

Intolerância

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1 Comment

  1. Silvia
    11 de julho de 2016 at 22:37 — Responder

    Adorei o texto Camila! Desejo do fundo do meu coração que as pessoas sejam mais tolerantes e se respeitem mais! Obrigada!

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