Mundo Ovo

Minha filha não é só minha


A primeira vez que eu tive noção de que minha filha não é só minha e era um indivíduo, que sua vida não seria sempre atrelada a minha, ela tinha dois anos e meio, em 2013. Eu tinha me separado do pai dela recentemente e ela foi passar o dia na casa dele.

Era tudo muito surreal ainda e mais surreal foi ver (de longe) ela vivendo momentos que não me incluíam. Fiquei abalada, mas o gosto mais amargo foi justamente perceber que não éramos siamesas ligadas pelo coração. Ela experimentaria coisas e eu não estaria lá para saber como foi a sua reação. (Pausa pra respirar fundo, deprimida)

Mais tempo passou e ela foi crescendo e vivendo outros momentos que eu não vivi junto. A prima do ex que a viu fazendo uma gracinha numa festa de família que eu não fazia mais parte. A professora da escola, que me mandou uma foto das duas, as primas que correram com ela para uma aventura em uma montanha-russa que eu jamais acompanharia. Uma frase espirituosa dita para a mãe de uma amiguinha em uma festa que eu não compareci.

Ela tem cinco anos e tem uma vida, caramba! É tão difícil assim de eu entender?

Claro que é. Ela SÓ tem cinco anos e é meu bebê, completamente dependente de mim. Ela ainda dorme comigo agarradinha. Ainda depende da minha supervisão constante. Eu preciso saber o que ela sente, diz e faz em TODOS os momentos. (Pensa no quanto eu estou exasperada para fazer você, leitora, entender meu ponto de vista e não me achar lunática)

Tá, tudo bem, pode me dizer o quanto estou sendo boba, mas essa é uma das coisas que eu não estava preparada. O fato de que minha filha não é só minha, mas que eu estou criando ela para ser ela mesma. Olhar por horizontes que eu não conseguiria ou poderia enxergar.

Minha filha não é só minha

Sempre detestei a expressão “criar o filho para o mundo”. Parecia coisa de mãe negligente, na minha cabeça. Mas, finalmente, consegui entender que nós estamos criando nossos filhos para que pensem, ajam e vivam de maneira independente da gente.

Podemos guiá-los e sermos atentas, mas nem sempre teremos acesso às suas vivências e sentimentos. Nem sempre seremos as primeiras a saber de coisas que parecem tão essenciais. Como foi a sensação de ir na primeira roda-gigante. A primeira vez que ela ouviu uma música na rádio e esta virou a predileta. O que ela sentiu quando viu o novo desenho da Pixar. O que ela achou do último por do sol do Arpoador. Quando foi que ela percebeu que não teria mais medo de gatos.

Tudo isso porque você não estava lá pra viver isso com ela. Ela estava convivendo com a vasta rede de apoio que você mesma fez questão de proporcionar. Um exército composto pelo pai, pela família do pai, sua própria família, os professores, os amiguinhos e suas famílias em inúmeros programas, festas do pijama, finais de semana fora e momentos de pura felicidade. Longe de você.

E acho que é aí que mora a cerne do meu drama: longe de mim. Longe dos meus olhos, do meu coração, aquele cordão umbilical que não se parte, mas estica, enquanto você esta vivendo sua vida e ela está vivendo a dela. A dela. Que nem sempre vai te incluir. E que um dia ela vai preferir viver ainda mais com seus amigos, seu namorado, seu marido, seus próprios filhos.

Gente, que dor só de escrever isso! Ela vai crescer e não vai ser só minha?! Como lidar com essa sensação de que a mãe também é substituível?

Estou sendo dramática, eu bem sei o que estou desabafando aqui. Que tudo isso é inevitável e que, no fundo, eu deveria ficar orgulhosa que minha miudeza é, desde a mais tenra idade, um ser humano sociável, extrovertido, que vai conseguir ser feliz mesmo sem estar agarrada entre as minhas pernas. Mas será que eu precisava me dar conta disso tão cedo?

E enquanto o tempo passa, mais rápido do que eu gostaria, eu deixo ela ir ainda mais longe, só para que ela volte e me conte tudo o que seus olhinhos enxergaram, enquanto eu tento saborear sua visão de mundo somente pelas suas palavras, desejando honestamente que eu consiga fazer as pazes com essa conclusão dura de que minha filha não é só minha.