Há algumas semanas falei sobre a diferença entre alergia e intolerância alimentar. Muitas pessoas agradeceram por finalmente encontrarem um pouco mais de informação, e outras pediram que eu fosse ainda mais específica e abordasse os diversos tipos de ambos os problemas, que acometem alguns bebês e crianças. Hoje vou falar mais sobre a alergia a proteína do leite de vaca, o que chamam de APLV e da intolerância à lactose.
APLV e Intolerância à lactose
As duas são causadas inicialmente pelo consumo de um mesmo alimento, o leite de vaca, mas a semelhança acaba aí. APLV é alergia a proteína existente no leite da vaca e a lactose é um açúcar existente naturalmente no leite.
APLV – alergia à proteína do leite de vaca
Como o nome já diz, a criança que tem APLV é alérgica às proteínas contidas no leite de vaca e seus derivados. Na APLV, o organismo do bebê ou da criança não reconhece uma ou mais proteínas do leite de vaca, acionando o sistema imunológico a reagir contra esses agressores, desencadeando uma série de reações desagradáveis, algumas podendo ser fatais sem a rápida ação.
Quais as proteínas?
O leite de vaca é uma excelente fonte de proteínas e alimento largamente consumido em quase toda a infância. Caseína, alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina são os principais alérgenos existentes no leite de vaca.
Se pensarmos que a quantidade total de proteínas por litro é em torno de 30-35 g, e que desse total, a caseína representa aproximadamente 80% do total de proteínas, se faz urgente excluir o leite de vaca da alimentação de quem tem APLV.
O que acontece?
Assim que os bebês nascem, seu intestino ainda está imaturo e a ingestão dessas proteínas pode iniciar um processo irritativo (inflamação) no trato digestivo.
Sinais e sintomas:
Alguns dos sintomas listados abaixo podem ser indicativos de que seu filho possa ter APLV . O seu filho pode apresentar um ou mais desses sintomas, observe com cuidado e nada de desespero.
- Gastrointestinais – cólicas, refluxo, diarréia, vômitos, sangue nas fezes, prisão de ventre, disfagia (dificuldade de engolir), gases, dor abdominal.
- Comportamentais – choro incessante, irritabilidade e sono agitado.
- Dermatológicos – manchas pelo corpo, eczema, dermatite atópica (vermelhidão na pele, descamação, pequenas bolhas e pele grossa).
- Respiratórios – chiado no peito, tosse, congestão nasal e otite de repetição.
- Outros – dificuldade em mamadas, perda de peso e insuficiente ganho de peso.
NOTA: Qualquer quantidade da proteína do leite de vaca é suficiente para desencadear os sintomas, que podem aparecer de forma imediata, demorar horas ou poucos dias após a ingestão.
Diagnóstico:
1 em cada 20 lactentes tem alergia ao leite de vaca, sendo que o risco desta doença aumenta em até 40% quando um familiar de primeiro grau (pai ou irmão) são alérgicos.
O diagnóstico deve ser sempre realizado pelo médico da família/ pediatra. É muito importante que o relato dos pais seja bem acurado, descrevendo sinais e sintomas, comportamento… Esses dados são cruciais para o médico poder fazer uma melhor avaliação do caso e orientar a necessidade de realização de exames complementares para auxiliar o diagnóstico.
A fim de confirmar o que inicialmente é uma suspeita, o médico pode solicitar um teste de sensibilidade ou “teste de desencadeamento”, com observação a reação do bebê/criança à retirada do leite de vaca e seus derivados com posterior reintrodução desses alimentos.
A boa notícia é que 50% das crianças com APLV melhora significativamente por volta de 1 ano de idade e, em 90% dos casos, a cura é completa aos 3 anos de idade.
NOTA: De acordo com Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI), o médico deve analisar o histórico do paciente e solicitar o teste cutâneo ou o exame de sangue.
Se relação entre ingestão e o quadro clínico não for suficiente para fechar o diagnóstico, é necessário confirmá-lo por meio do teste de provocação oral. Lembrando que este teste sé deve ser realizado em hospitais com estrutura para emergências ou próximo a uma unidade semi-intensiva.
Tratamento:
O tratamento da alergia ao leite de vaca é a exclusão do leite, seus derivados e todos os alimentos que contêm as proteínas do leite em sua composição.
- Bebês em aleitamento materno: A primeira medida é solicitar a mãe que amamenta que retire da sua alimentação o leite de vaca e seus derivados da sua alimentação diária, pois as proteínas do leite de vaca podem passar pelo leite materno. Em alguns casos se faz necessária a suplementação de cálcio na alimentação da mãe.
- Bebês que não estão em aleitamento materno exclusivo: Os consensos médicos recentes consideram alguns fatores para a escolha da fórmula (leite artificial): idade da criança, segurança, avaliação do estado nutricional e manifestações clinicas. Bebês menores de 4 meses não devem receber fórmulas que tenham a soja em sua composição, por acreditar que eles também venham a desenvolver alergia a esse alimento.
Nesse casos se faz necessário o uso de fórmulas hipoalergênicas hidrolisadas (compostas por aminoácidos livres e peptídeos, é como se as proteínas do leite fossem “quebradas” em pedacinhos menores para que as células intestinais não as reconheçam), em que as proteínas do leite estão fracionadas em 90%, diminuindo assim a possibilidade de causar alguma reação alérgica. Em casos mais graves, é necessário utilizar fórmulas ainda mais especiais, que contenha somente aminoácidos (as proteínas do leite de vaca estão na forma de aminoácidos), sua tolerabilidade é eficaz em mais de 90% dos casos.
IMPORTANTE! Mediante avaliação médica, pacientes diagnosticados com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) podem conseguir o tratamento gratuitamente na Secretaria de Saúde do seu Estado .
- Introdução alimentar: A introdução da alimentação complementar em crianças com APLV deve seguir as recomendações para as crianças que não sofrem dessa alergia, continuando com a restrição de leite e seus derivados, é claro. Não há qualquer restrição na introdução de alimentos fontes de proteínas (ovo, aves, peixe, carnes vermelhas ou porco).
Eu recomendo que seja feita uma observação atenta ao se introduzir um alimento e também que não se faça a introdução de dois ou mais alimentos novos na alimentação da criança de uma vez.
Observe:
1) O aleitamento materno exclusivo, por pelo menos quatro meses, quando comparado às fórmulas habituais, diminui a incidência de alergia ao leite de vaca nos dois primeiros anos de vida.
2) Não existem justificativas de que a dieta de restrição da mãe, na gestação e na amamentação, possa prevenir o surgimento de alergias alimentares.
3) A restrição do leite materno somente será considerada se houver reações comprovadamente alérgicas no lactente que estiver sendo amamentado.
Lista do que procurar nos rótulos e não comprar:
- Caseína
- Caseína Hidrolisada
- Caseinato de cálcio
- Caseinato de potássio
- Caseinato de amônia
- Caseinato de magnésio
- Caseinato de sódio
- Coalhada
- Composto lácteo ou mistura láctea
- Fermento lácteo
- Fosfato de lactoalbumina
- Gordura de leite
- Lactoalbumina
- Lactoglobulina
- Lactoferrina
- Lactose
- Lactulose
- Lactulona
- Leite (integral, semi-desnatado, desnatado, em pó, condensado, evaporado)
- Leitelho
- Nata /creme de leite
- Proteína de leite hidrolisada
- Soro de leite
- Soro de leite deslactosado/desmineralizado
- Soro do leite, sólidos do leite
- Whey protein
Os ingredientes abaixo podem conter proteína do leite de vaca ou traços
- aroma de queijo,
- sabor caramelo,
- sabor creme da bavária,
- sabor creme de coco,
- sabor de açúcar queimado,
- sabor de manteiga,
- sabor iogurte,
- sabor leite condensado,
- sabor queijo,
- sabor artificial de manteiga
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Intolerância a lactose
A intolerância à lactose significa que o organismo não é capaz de digerir o açúcar do leite (lactose) existente em produtos lácteos, condição causada primariamente pela deficiência da enzima lactase. Apesar de ser uma doenças com sintomas doloridos e desconfortáveis, não causa maiores problemas após se fazer o diagnóstico.
O que é a lactase?
Lactase é uma enzima produzida no intestino delgado com a função de quebrar as moléculas de lactose no alimento que você comeu em dois açúcares simples – glicose e galactose – para que possam ser absorvidos pela a corrente sanguínea. O que acontece na intolerância a lactose é que em algumas pessoas, os níveis de lactase são bem baixos, desencadeando um conjunto de sinais e sintomas.
O que acontece então?
Sem lactase suficiente para fazer com que os açúcares entrem na corrente sanguínea, a lactose vai para uma parte do intestino chamada cólon, onde as bactérias intestinais normais começam a agir. Essa interação das bactérias intestinais com a lactose causa os sintomas já conhecidos: gases, flatulência e diarréia.
Por que ocorre essa intolerância?
Ainda não está muito claro o motivo do surgimento da intolerância à lactose em crianças menores de 3 anos de idade. Diversas sociedades médicas do mundo todo buscam mais informações. Acredita-se de forma mais geral e genérica que essa intolerância seja secundária a uma gastroenterite. A Sociedade Australiana de Pediatra por exemplo, não recomenda que a mãe precise fazer qualquer restrição alimentar.
Causas:
- Intolerância à lactose congênita, ou seja, o bebê nasceu assim. Mãe ou pai passaram essa herança genética ao filho, mas cabe ressaltar que os casos são raros.
- Bebês prematuros também podem ter intolerância à lactose porque a produção desta enzima aumenta somente no final do terceiro trimestre da gravidez.
- Envelhecimento das células intestinais. Após produzir grandes quantidades de lactase desde o nascimento e durante a infância, quando o leite é a principal fonte de nutrição, há diminuição significativa da produção de lactase quando temos uma dieta mais diversificada e menos dependente do leite.
- Resultado da doença ou lesão após uma doença, cirurgia no intestino delgado. Exemplo: doença celíaca, gastroenterite e a doença inflamatória intestinal.
Sinais e sintomas:
Os sinais e sintomas de intolerância à lactose começam geralmente após a ingestão de alimentos que contenham lactose , podendo demorar de 30 minutos até 2 horas após a ingestão.
- Diarréia
- Náuseas
- Cólicas abdominais
- Inchaço
- Gases
A severidade dos sintomas dependerá da quantidade de lactose ingerida x a quantidade de lactose que seu organismo é capaz de digerir, é o que chamamos de reação “dose dependente”.
Diagnóstico:
Na maioria das vezes o diagnóstico é feito com exame clínico e com base no histórico. Pode ser que o médico faça a sugestão de eliminar por alguns dias a lactose da alimentação da criança e ver se os sintomas desaparecem.
Existem complementares podem ser solicitados, mas poucos são os médicos que fazem essa solicitação especialmente quando os pacientes são crianças.
Exame de tolerância à lactose, em que o paciente ingere um líquido rico em lactose para, depois, realizar um exame de sangue e verificar a quantidade de glucose na corrente sanguínea.
Exame de hidrogênio expirado, em que o paciente também ingere um líquido com altas quantidades de lactose para que o médico, depois, analise a quantidade de hidrogênio expelido pelo hálito do paciente.
Medidor de ácidos. A lactose não digerida produz ácido láctico no organismo, que consegue ser identificado por meio de um medidor de ácidos.
Tratamento:
O leite materno ainda é o principal alimento oferecido ao bebê. É muito raro ocorrer intolerância à lactose durante o aleitamento materno, o que alguns médicos podem sugerir é que as mães façam uma dieta isenta de lactose.
A abordagem nutricional para o caso é retirar qualquer alimento que contenha lactose e, aos poucos, tentar introduzir (com orientação médica e nutricional) pequenas quantidades para ver qual a quantidade segura de ingestão de lactose que o seu filho pode comer.
O que os dois casos têm em comum ?
Ler o rótulo. Você vai querer evitar os produtos lácteos e outros alimentos que contenham lactose ou a proteína do leite de vaca (dependendo do seu caso). Verifique atentamente os rótulos dos alimentos e de produtos de uso tópico (cosméticos e de higiene) cada um dos ingredientes. Tenha atenção para ingredientes sabidamente proibidos para você (seu filho) e outros que você não saiba identificar o que é. Na dúvida não compre.
“A campanha #poenorotulo foi criada em fevereiro deste ano, na internet, por um grupo de famílias de alérgicos. Espalhadas geograficamente, mas bem unidas em um único objetivo: abrir os olhos da população não-alérgica para a necessidade da rotulagem correta de alimentos alérgenos, como leite, soja, ovo, peixe, crustáceos, amendoim, oleaginosas, entre outros. Querem comer com segurança, independentemente de que forma isso aconteça: projeto de lei, resolução da Anvisa ou iniciativa das indústrias. O problema é que, nos rótulos, há falta de clareza em relação à presença dos principais alérgenos alimentares.”
#poenorotulo
Crédito da imagem em destaque: Dennis Skley