Desde a barriga, sonhamos com o dia que nossos filhos serão nossos companheiros. Mas a verdade é que durante um bom tempo as crianças dão tanto trabalho, mas tanto trabalho, que esse sonho fica temporariamente em suspenso. E entre todas as fases que a gente passa onde o trabalho braçal é evidente e a gente chora de cansaço, acredita (naqueles dias em que as coisas estão especialmente difíceis), que eles serão sempre nossos amores infinitos e desmedidos, mas jamais companheiros.
Vicky já tem cinco anos e já me deu provas de companheirismo, por que ela é linda, despachada, extrovertida (tá, tudo bem, exibida) e engraçada.
Mas ontem, gente. O-N-T-E-M. Ontem foi aquele dia em que tudo deu certo, que ela entendeu tudo direitinho, que a gente fez dancinha da alegria e tudo o mais.
Começo do começo.
Muitos de vocês sabem que eu sou editora de livros. E há 15 anos eu faço parte da organização de uma das feiras literárias mais legais do Brasil, quiçá do mundo: a Primavera. Nesse ano, Vicky completou 5 anos de visitas a Primavera, mas essa foi a primeira vez que eu me vi sozinha com ela, precisando dar expediente no estande e fazer networking, encontrar os amigos, enfim… trabalhar com T maiúsculo. Eu precisava levá-la (queria levá-la), mas fiquei tensa. Como passar o dia com uma criança de cinco anos em um evento sem que ela desse um – ou muitos – “defeitos”?
Em primeiro lugar fiz um roteiro: Iniciaríamos a manhã na aula-espetáculo de ioga, seguido de lanche, parquinho, ronda pelos estandes arrematando lindos livros infantis a descontos impublicáveis e conversando com os editores e pausa para o almoço. Depois eu precisava parar o sassarico para trabalhar no meu estande até a hora que ela começasse a achar tudo um saco.
No carro, a caminho, conversei com ela sobre o que iríamos fazer e que mamãe precisava trabalhar e eu precisava da ajuda dela. Ela já sabia o que esperar. Ela disse que aquele seria o “Domingo da alegria” (pausa pra você morrer de amores).
A manhã foi um sucesso. Tava quente, tava sol e quando ela quis tirar o vestido e ficar só de short e sem camiseta, eu nem pestanejei. Quando ela cansou, fomos almoçar. Sentamos num restaurante legal, com ar-condicionado, deixei ela ver o desenho animado que ela queria e renovamos as baterias.
Na parte da tarde, quando eu fui para o estande, ela pegou o tapete de ioga, o IPad, os fones e uns livros novos e deitou no gramado em frente e ficou lá por quase 2 horas. Eu ficava com um olho nos leitores e outro nela. Ela, de vez em quando olhava para mim e me mandava um “joinha”. De vez em quando ela voltava e pegava água, uma bala de coco, trocava um livro.
Quando ela cansou de ser zen, recolheu tudo, foi para dentro do estande e ficou responsável por colocar livros e marcadores nas sacolas. Para isso, colocou seu avental de letras.
No final do dia fomos lanchar, brincamos de bolas de sabão em volta da fonte, encontramos as minhas amigas, vimos mais livros e ela ficou sentadinha brincando com os produtores da feira, enquanto eu gravava um depoimento para um vídeo sobre Bibliodiversidade.
Quando escureceu deu vontade de comer e estávamos exaustas. Mas mais do que cansadas a gente queria comer pizza.
Foi um dia lindo. Sem encheção de saco, sem birra, sem gritaria, sem ataques de pelanca. A gente passou um dia PERFEITO, conversando sobre livros, dançando, cantando, encontrando amigos, conhecidos e até desconhecidos pelo caminho, com ela ouvindo o que eu tinha a dizer e comigo respeitando suas necessidades.
Ela deu bom dia/boa tarde para quem puxou papo, cantou com os músicos que a convidaram para escolher canções em um cardápio, ajudou uma menininha que tinha caído no chão e ralado o joelho, dividiu bala de coco e deu um marcador de livros para o segurança.
Foi ótimo perceber que minha miudeza é parecida comigo, no sentido de que gosta dessa social literária, que encantava todo mundo contando histórias dos livros que já tinha lido e pedindo, sem cerimônia, que um escritor ou editor, contasse para ela a história de algum livro que ela tinha se interessado: “eu tenho cinco anos e ainda não sei ler”.
E eu voltei pra casa me sentindo tão leve, tão emocionada, me sentindo uma mãe de verdade, com aquela filha que te entende, sabe?
É tão fácil a gente se sentir a pior mãe do mundo, achar que está errando todos os minutos de cada dia, que é ainda mais emblemático a gente conseguir relatar um dia especial, sem transtornos ou acidentes de percurso.
E isso, queridas leitoras, vem com a sabedoria e também vem com a maturidade de nossos pequenos. Um dia eles acordam e – está bem ali na sua cara – uma criança linda, cheia de empatia, cheia de simpatia, te olhando quase que com fervor. A minha filha, a minha Vicky, aos cinco anos.