Outro dia uma das minhas sobrinhas sacou essa pergunta para a Vicky: “você gosta mais da sua mãe ou do seu pai?” Virei bicho. Acho que ficou todo mundo achando que eu era doida. Minha mãe perguntou se eu tinha medo da resposta. Eu dei um ataque!
Nunca esqueci quando fizeram essa pergunta pra mim na infância
Acho que esse é um dos meus traumas de infância. Lembro que meus pais, os sem-noção, tinham a mania de perguntar isso. Nem sei se perguntaram várias vezes, a cabeça de uma criança prega peças. Mas bastou uma vez para eu odiar essa pergunta para todo o sempre. Lembro exatamente do dia em que “precisei fazer essa escolha”. Quem eu gostava mais? Não me lembro de ter dado uma resposta. Lembro de ter confabulado com a minha irmã, dois anos mais nova. Mas lembro principalmente da angústia que eu senti quando confrontada pela possibilidade de que eu deveria amar um dos meus pais mais do que o outro. Foi apavorante. Ainda é.
Eu cresci, meus pais se separaram no meio do caminho e minha mãe foi e é a figura mais presente na nossa vida, mais pelas circunstâncias da vida e não pelo desamor. E aí, você prefere a sua mãe? Caramba! É preciso mesmo escolher? Muitos anos atrás, em algum conflito familiar, lembro de expressar meu descontentamento com essa pergunta. Lembro de vocalizar que amava os dois, em partes iguais. Ela era minha mãe, ele era meu pai. Não importa as circunstâncias, não importa os conflitos. Os dois são parte de mim. Ou seria eu parte dos dois?
Deveria ser proibido fazer essa pergunta a uma criança
Quando eu meu separei, lembro das pessoas (as sem-noção) dizendo o quanto somos amigas, o quanto nossa relação é especial e que eu tinha sorte porque ela iria me preferir ao pai. Eu poderia deixar meu ressentimento escorrer como uma doce vingança de que ela me preferiria, afinal somos unha e carne, ela mora comigo, eu crio ela. De novo: pelas circunstâncias e não por desamor. Mas não. Fiquei aborrecidíssima. Por que eu iria querer ela toda pra mim? Não me parecia justo.
Ontem de manhã estávamos no carro, no trajeto escola/escritório. Ela pede para ligar para o pai e eles entram rapidamente numa conversa “o que vamos fazer no final de semana. Minha mãe colocou maiô pra gente ir à praia, podemos andar de bicicleta sem rodinhas, podemos tomar sorvete.” Uma conversa que não era minha, então fiquei quieta dirigindo. E, enquanto ela estava na vibe “uh-uh vou ver meu pai de quinta até domingo!”, eu entrei numa neurose terrível: será que ela gosta mais dele? Será que ele é mais legal do que eu? Será que como ele lida menos com a parte chata da criação de um filho, daquele dia a dia sofrível, será que eu sou um monstro e ele um santuário de todas as coisas mais maneiras e divertidas do mundo enquanto eu corto unhas, cato piolhos e berro para ela guardar os brinquedos pela vigésima vez?
Dois segundos depois, respirei fundo e enterrei a maluquice bem dentro de mim para discutir com o analista na próxima sessão. Essa é uma pergunta proibida. Não quero que ela tenha que fazer essa escolha jamais. Quero que ela me ame incondicionalmente, da mesma forma que eu amo cada pinta, fio de cabelo e pedacinho dessa coisa linda que eu fiz. Mas que não fiz sozinha. Fiz com alguém que ela ama também incondicionalmente, da mesma maneira que me ama. Quero e incentivo que eles tenham uma relação especial, baseada em amor, amizade, carinho e confiança. As mesmas coisas que eu quero para mim e para ela.
<3
Amar um filho é das coisas mais insanas que existem. Mas sentir o amor do seu filho nos gestos, no olhar e nas palavras é uma droga perigosa, que deixa a gente querendo mais e mais. E, pais e filhos, todos temos amor em doses infinitas para dar. Então por que limitar? Por que dosar? Por que competir?
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