UMA MEIA BEM INTEIRA
– Pai, a Olívia é minha meia-irmã?
Foi assim que a conversa começou, sem nenhuma preparação. Eu havia acabado de apanhar a Julia na escola e ela já foi me perguntando:
– Pai, a Olívia é minha meia-irmã?
– Como é, Julia?
– É, a Olívia é minha meia-irmã?
– Meia-irmã?
– É.
– De onde você tirou isto?
– Uma amiga da escola me disse que se ela só é filha do meu pai e não é da minha mãe, ela é não é minha irmã de verdade, é meia-irmã.
– Bom, vamos entender esse negócio de meia. Será que a Olívia é sua irmã pela metade?
– Não sei.
– Ela só tem meio rosto, meio nariz, meia boca, um olho, uma orelha, meia barriga, um braço, uma perna?
– Não, pai!
– Então, ela não é meia, é inteira.
– E isso dela não ser filha da minha mãe, só do meu pai, de você?
– Isso não faz dela uma metade.
– Mas faz ela não ser irmã de verdade?
– Ela é de mentira? Ela não existe?
– Não, pai! Você está me enrolando?
– Não, filha, só estou tentando fazer você ver que esses nomes, essas definições, são umas besteiras. Realmente, diz-se que se uma pessoa é filha do pai, mas não é da mãe, ela é sua meia-irmã. Poderia ser filha só da mãe e não do pai. Dá no mesmo. Mas será que isto é importante? Será que ela é menos sua irmã?
– Eu não sei, fiquei confusa.
– O que você acha que ela é? No fundo do seu coração, o que ela é sua?
– Irmã. Minha irmã querida.
– Então está resolvido. E ninguém é mais importante para dizer o que ela é sua do que você. Ela é a sua irmã.
Ela abriu um sorriso e me abraçou. O resto do caminho foi de amenidades, ela me contando tudo o que havia acontecido nos dois dias em que estivemos separados. Felizmente, nenhuma outra palavra “complicada” apareceu. Meia-irmã. Por que as pessoas têm que complicar tudo? Sempre achei muito confusa esta história de graus de primo. É primo de primeiro grau ou segundo? Tem terceiro? O que isto importa? Tenho até hoje primos e tios que nem da família são, são os chamados primos e tios de “consideração”. Eu considero-os meus primos e tios de verdade, e, por isso mesmo, são. E alguém ainda quis complicar a cabeça da Julia com uma definição chinfrim? Tem importância se um dos pais não é o mesmo para se definir que são irmãos? E filhos adotados não serão irmãos? Sinceramente, acho muita bobagem tudo isso. Que bom que, na cabeça da Julia, tudo se resolveu pelo coração. Ela e Olívia são irmãs. Inteiras, não metades. Basta vê-las juntas. As felicidades, os sorrisos, as vontades de estarem juntas. São irmãs. Plenas, não meias.
– E aí, Julia, qual vai ser a primeira coisa que você vai fazer quando chegar em casa?
– Vou agarrar aquela bochechuda e dar um monte de beijos nela.
– Bochechuda?
– A Olívia, pai, a minha irmã!
E foi exatamente o que aconteceu. Chegou e foi agarrar a irmã. A partir daquele momento, eu e Flávia viramos, praticamente, invisíveis. Olívia passou a enxergar só a Ju, andando de um lado para o outro atrás dela.
– Olívia! – chamava Julia.
– Zuzu! – respondia Olívia.
Irmãs. Completas, não partes. Irmãs no coração, que é o que importa. Irmãs, com tudo o que a relação tem.
– Pai, a Olívia está bagunçando as minhas coisas!
É, Lili é bagunceira. Muito. E persistente. Muito. Mas isso já é assunto para outra hora.
De pai para filha:
– Pai, o que é fuso horário?
– Fusos horários são as diferenças de horários que existem entre os países. Por exemplo: na França, hoje, são cinco horas a mais que no Brasil. No Japão são doze horas. Quando é meio-dia aqui, lá é meia-noite.
– Ah, então devia ser confuso horário.
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