Amor de mãe não é automático

Eu não amei meu filho ainda na barriga. Quando ele nasceu, eu nem tive tempo de amar direito. Entrei no modo preciso-manter-esse-bebê-vivo-a-qualquer-custo que eu não sei se é algo instintivo ou não. Pra mim, o amor de mãe não foi automático.

Pode ser que tenha acontecido com você. Pode ser que você ache que amor de mãe é intrínseco. Pode ser que você tenha amado o seu filho desde que ele era um bolinho de células dentro do seu útero. Pode ser – e que bom.

Pra mim não foi assim. Para muita mulher também não.

Eu cresci lendo, ouvindo e assistindo versões variadas do grande amor de mãe. Tem a mãe que arriscou a vida pelo filho sem pensar duas vezes. Tem a que sacrificou todos os aspectos da vida com um sorriso no rosto. Tem a que abre mão da saúde física e mental para dar ao filho tudo que pode. Tudo isso por amor. Um amor tão forte, tão puro e tão bonito. Um amor que só existe de mãe pra cria.

Que pressão. Eu chutaria que dez entre dez mulheres grávidas anseiam o momento em que serão tomadas por essa força enorme, pelo real “amor verdadeiro”, o amor que não mede esforços ou fronteiras. Quando meu filho nasceu, eu esperei ser automaticamente esmagada pelo sentimento e, bem, não foi bem assim.

Eu entrei no modo sobrevivência. Meu e dele. O que eu sentia era um impulso em mantê-lo vivo, alimentado e quentinho. Junto a isso, uma vontade enorme de conhecê-lo, de entender seus chorinhos, de compreender suas expressões, de vê-lo se transformar num serzinho pensante. Era isso: um desejo acachapante.

foto por Vince Fleming on Unsplash

O amor veio depois, aos poucos, devagarinho e me pegou quase de surpresa.

Eu lembro do exato momento que eu percebi que sentia o tal amor de mãe, do tipo que tanto ouvi falar. Ele, o bebê, me olhou enquanto mamava, de um jeito especial que é só dele e eu me senti preenchida de amor. Foi uma sensação física, como se o amor fosse concreto.

Amor de mãe é quase tão sólido que parece que se colocarmos a mão no peito vamos conseguir sentir a sua consistência. A sensação é de que eu daria para ele todo o ar que eu respiro, sem pensar em nenhuma consequência.

Só que esse amor todo não foi conjurado do nada. Para cada mulher, o amor de mãe, esse inexplicável, “aparece” de forma diferente, por diferentes razões e em diferentes tempos.  Para cada mãe, o amor nasce de uma combinação variada de fatores. Uma combinação nem sempre lógica e nem sempre possível de ser traduzida para o mundo.

Tem mãe que nunca vai sentir ou se dar conta desse amor enlouquecedor.

E tudo bem. Cada mãe é uma. Cada mãe tem a sua própria situação emocional. Amar não é fácil. Amar incondicionalmente, como se espera das mães, é mais difícil ainda. Não é tão simples assim. Não é justo cobrar de qualquer mãe que ela ame o bebê que ela (também) acabou de conhecer. Porque amor não é um passe de mágica.

E ninguém é menos mãe porque não amou o filho automaticamente.

Para mim, é preciso aprender a amar os filhos. Eu diria que todo filho é uma criança adotada, mesmo que seja pela família biológica. Depois que o bebê nasce, é preciso que todos – inclusive a mãe – façam a opção por cuidar daquele ser e se proponham a, um dia, amá-lo. É na escolha por aquele bebê que nasce o amor de mãe.

 

imagem destaque Janko Ferlič on Unsplash

Por que as crianças choram?
Postagem anterior
Por que as crianças choram?
Cientistas criam óvulos humanos em laboratórios pela primeira vez
Próxima postagem
Cientistas criam óvulos humanos em laboratórios pela primeira vez e isso pode revolucionar os tratamentos de infertilidade

1 Comment

  1. Sónia Carolina
    18 de setembro de 2018 at 7:45 — Responder

    Amei a sua matéria, simplesmente sensacional. As vezes a cobrança externa é tão grande que acaba tropeçando os sentimentos da mãe em relação ao filho e colocando em segundo plano a experiência de cada dia aprender a amar essa criança que cresce sobre nossas responsabilidades.

Envie uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Voltar
COMPARTILHAR

Amor de mãe não é automático