Mãe erra mas também acerta

A comunicação com a escola do meu filho é feita através de uma agenda que eu olho com a regularidade que o mundo real de uma mãe que trabalha muito permite. Anteontem eu não olhei, e ontem, quando cheguei na escola para buscá-lo, pais e filhos desciam as escadas de mãos dadas comentando os melhores momentos do campeonato de futebol. Ai!

Enquanto caminhava em direção à quadra ia ouvindo:

“Nossa, o fulano fez um passe lindo.”

Ai!

“Que defesa!”

Ai!

“Mariana, seu filho fez um gol.”

Ai!

Não, não, não!

Sim! Eu perdi o campeonato de futebol do meu filho. O primeiro campeonato de futebol do meu filho. E ele fez um gol.

Abre parênteses:

Resende, 1985.

Minha mãe nunca se atrasou para me buscar na escola. E no único dia em que a turma saiu cinco minutos mais cedo e ela não estava na porta, eu fiquei em pânico e chorei. Chorei tanto que não percebi que o sinal não havia tocado, que não eram cinco horas, que ela não estava atrasada e que todos os meus amigos estavam olhando para mim. Aquilo rendeu alguns meses de piada numa época em que ninguém sabia o significado da palavra bullying.

Minha mãe exercia as tarefas da maternidade com maestria e eficiência. Não faltava nenhuma apresentação de ginástica olímpica, não esquecia os horários dos remédios, não trabalhava até tarde e ia me buscar nas festas de madrugada sem reclamar. Minha mãe foi ótima. Ela continua sendo ótima. Mas quer saber uma coisa (vou contar porque filhos são cruéis mesmo depois de adultos), isso não é tão perfeito quanto parece. Ter uma mãe tão gigantescamente presente, atenta e protetora traz alguns efeitos colaterais. Porque não tem jeito, uma hora esse mundo perfeito entra em choque com o mundo real.

Por ter sido super protegida, sofri um pouco para me ajustar a um mundo tão desprotegido, cheio de falhas e frustrações. Não reclamo nem faço disso uma tragédia, mas são os meus problemas, cada um com o seu, e não existe quem não os tenha. Mas isso fez crescer em mim a certeza de que eu nunca seria uma super mãe; não por incapacidade, mas por opção.

Fecha parênteses.

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2012.

“Filho, era o campeonato de futebol, a mamãe não sabia. Não veio nada na agenda.”

“Veio sim. E eu te falei na segunda”.

“A mamãe está muito, muito chateada por não ter vindo. Desculpa.”

“Nem todos os pais vieram, tudo bem.”, disse ele com firmeza, do alto dos seus 6 anos.

Enquanto a gente caminhava em direção ao carro, sentia ao mesmo tempo uma dor e um alívio por ter falhado.

O psicanalista inglês Donald Winnicott fala sobre o conceito da mãe suficientemente boa. Não se trata de uma mãe perfeita, mas uma mãe possível, real, capaz de prover ao bebê as condições para que ele se desenvolva de maneira saudável e segura. Assim, à medida em que amadurece, o bebê vai se tornando capaz de suportar falhas e frustrações, que são necessárias na sua formação como indivíduo.

Tenho a confiança que sou uma mãe presente, carinhosa e atenta. Sei que quanto mais eu tentar desesperadamente acertar, mais chances eu tenho de errar. E que erros e acertos se confundem, se alternam e se completam ao longo da vida.

 

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11 Comentários

  1. 14 de novembro de 2012 at 12:26 — Responder

    Oi Mari, conforme avançava na leitura, pensava: putz, não acredito que ela não soube, coitada! Sim, pq a gente se sente péssima com nossas falhas relacionadas ao filho. Mas aí vc conseguiu tirar isso de letra (aparentemente, rs). É ótimo quando temos esse entendimento dentro de nós. Outros campeonatos virão, assim como outros lindos gols. Um beijo

  2. Natalie Gerhardt
    14 de novembro de 2012 at 15:27 — Responder

    Mariana,
    Eu também não consegui ir e o Enzo fez um gol. Ele chegou em casa feliz, me contando, todo bobo!
    Beijão

    • Mariana
      14 de novembro de 2012 at 18:05 — Responder

      Faz parte, Natalie, hehe. No último jogo eu consegui ir, ufa!

  3. Aime
    14 de novembro de 2012 at 16:14 — Responder

    Mari, bom poder ler e me sentir mais “normal”; nāo que seja bom perder eventos como esse, mas sim poder saber que o mundo nāo acaba por isso. E concordo com você, eu estou longe de (e querer) ser uma māe perfeita, no meu caso mais por genética “melhorada” e por experimentar na pele o que é a realidade 😉 Enfim, isso me fez lembrar do dia que mudei de número de telefone e esqueci de avisar a escola :p (acho que pode virar um post 😉 beijos

    • Mariana
      14 de novembro de 2012 at 18:05 — Responder

      Oba! Quero ler, Aime. Beijo

  4. Fernanda Delmas
    14 de novembro de 2012 at 19:52 — Responder

    Oi Mari,
    Muito bom ler seu texto principalmente hoje, no dia em que fui me redimir de uma falha “gigantesca”e parecida com a sua. Na escola dos meus filhos tem um conselho de classe participativo em que pais, crianças e professores falam sobre os acontecimentos do semestre e é claro, sempre com uma musiquinha no final, cada aluno com sua fala decorada na ponta da língua, repetidos avisos na agenda com antecedência, enfim, tudo perfeito… exceto pela mamãe, vulgo EU, que ao invés de entender 14hs entendi 4hs. Enfim, cheguei simplesmente com duas horas de atraso e soube que o Nando ficou aos prantos porque eu não apareci. Quase tive um troço!
    Bem, mas como tudo, até isso, tem um lado bom, o meu consolo foi exatamente este… ensinar a lidar com as frustrações da vida!
    Tudo bem que eu fiquei traumatizada! Espalhei lembretes pela casa inteira, hoje cheguei com duas horas de antecedência, almocei no restaurante na frente da escola, e fomos eu e meu marido para compensar a frustração passada… rsrsrsrssrs
    Beijos de uma mãe suficientemente boa!!

    • Mario Goncalves
      Mariana Amaral
      17 de novembro de 2012 at 17:40 — Responder

      Não é mole, não, Fernandinha, hehe. Tem que ver o lado bom, não tem jeito. Saudades. Beijão.

  5. Karoline
    15 de novembro de 2012 at 0:26 — Responder

    Amei o texto!! Caiu como uma luva pra mim que vivo me cobrando tanto em tentar ser uma super-mãe-perfeitinha-que-não-existe…rsrsrsr
    Bom, por via das dúvidas vou continuar minha rotina de ler as agendas no carro pra não chegar em casa e esquecer, como tb já fiz!! Bj,K

    • Mario Goncalves
      Mariana Amaral
      17 de novembro de 2012 at 17:41 — Responder

      Haha, estou com esse técnica de ler no carro tb, Karol. Beijo

  6. 15 de novembro de 2012 at 0:34 — Responder

    Mariana, simplesmente AMEI seu texto…
    Primeiro Pq me identifiquei… Como a maioria das maes… Venho de uma experiencia inversa, porem com o mesmo final. Tive uma Mae que sempre atrasou para me pegar, que nao me levava em todos os lugares, que trabalhou fora, sempre, em todos os horarios… Conclusao sempre achei que as maes das minhas amigas eram o Maximo e a minha Mae…imagina? Decidi ser o contrario para minhas filhas…. Deixei de trabalhar fora, por Outras razoes, mas me assume super Mae: motorista, nutricionista, professora…. Conclusao: na Primeiro vez que faltei para a minha primogenita (a Deixei sob os ciudados da minha cunhada para dar a luz para minha cacula) foi terrivel…. Ao ponto dela falar, depois de 5 anos, sobre a situacao com Agua nos olhos…. Conclusao: passei a ser como minha Mae!! Rsrs
    Hoje em dia eu atraso sem traumas, viaja com meu marido sem culpa e vi que minha Mae fez de mim uma Pessoa Mais segura e independente… Mesmo sem saber!!!
    Ah, AMO Winnicott!!! Bj gde e bom feriado

  7. 26 de novembro de 2012 at 21:15 — Responder

    Mari, preciso falar com você. Será que pode me contatar através do meu e-mail?
    Beijo

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