A decisão de levar um filho ao psicólogo não é fácil. É uma decisão carregada de sentimentos confusos. Pra mim, foi uma mistura de fracasso e culpa. Mas ver um filho sofrer com dificuldades para lidar com sentimentos é pior. E pesando tudo isso na balança, havia chegado o momento de buscar ajuda profissional.
Desde que a Victoria precisou enfrentar a separação que sigo atenta ao seu comportamento e de que forma ela está lidando com tudo. Quando o pai saiu de casa, ela tinha apenas dois anos e sete meses. Não foi uma ruptura muito conturbada, mas foi repentina. Para nós duas foi um pesado período de luto e tristeza. Não foi simples lidar com o vazio. Mas tentei, do jeito que deu, criar uma nova rotina dentro de casa, trazer luz, paz e pequenas alegrias para sua vida.
Perder a convivência diária com o pai foi e está sendo irreparável. Só quem já passou por isso sabe o que estou falando. Quem fica (no caso eu) é quem segura as pontas, quem cria, quem passa mais tempo fazendo o trabalho pesado e, como consequência, tem mais tempo para observar o que se passa.
Nos últimos dois anos ela passou por várias fases: quando sentia saudades diárias do pai; quando não queria vê-lo nem pintado de roxo; quando tinha medo de se separar de mim; quando só estava satisfeita quando ambos estávamos com ela ao mesmo tempo; quando só entendia as coisas depois de longas conversas; quando não queria entender de jeito nenhum; quando começou a dizer que não gostava do pai; quando começou a me chamar de “bobalhona”; quando voltou a me bater; quando começou a me culpar por que o pai não morava com a gente.
Eu conversava com meu próprio analista sobre todas as questões. Mas ele, naturalmente, enxergava sob a minha ótica. No final do ano passado, quando ela estava com pouco mais de quatro anos, é que senti no meu coração que estava puxado demais para lidar com tudo sozinha. Eu não era suficiente. E estava carregada de culpa.
Começou quando fizemos algumas viagens, só nós duas. Em algum momento ela pedia para convidar o pai, fazia muxoxo. Depois ela resolveu convidar o pai para passar a noite de Natal conosco (a festa é na minha casa). Em seguida, vieram as perguntas. Ela não tinha uma ideia clara sobre o amor romântico, mas entendia que a “situação dela” não era “normal” – ou igual a da maioria dos amigos. No início do ano, ela começou a não querer ir para a escola. Quando conversei com a orientadora, eles estavam simultaneamente observando uma mudança de comportamento: estava triste, ausente e perdendo a posição de liderança na turma. No mesmo dia eu ouvi a seguinte pergunta: “Por que você não quer deixar o papai morar com a gente?”. Acho que foi a gota d’água. A culpa não podia cair totalmente no meu lombo, oras. No mesmo dia, telefonei para a psicóloga e agendei uma entrevista.
Estamos desde março com acompanhamento semanal. O diagnóstico inicial era o esperado: está com um novo entendimento do que significa a separação, não consegue aceitar ou lidar com seus sentimentos e se sente dividida.
No momento enfrentamos uma regressão no comportamento. Volta e meia fala como neném; está bastante agressiva (mais comigo do que com ele); mais dependente de chupeta e mamadeira, que não tinha ainda conseguido largar completamente; tendo episódios de xixi na cama e até mesmo pequenas escapadas durante o dia, que quase nunca aconteceram no período do desfralde. Na escola vieram, pela primeira vez, reclamações das auxiliares, por desobediência.
Passamos algumas semanas às turras. Ela ultrapassando todos os limites da boa convivência e eu com o pavio cada dia mais curto. Tivemos alguns eventos bastante desgastantes e algumas vezes precisei me trancar no banheiro e meditar por algum tempo para recobrar o controle. Teve dias que eu simplesmente chorei.
Essa semana decidi enfrentar a questão sob uma nova ótica e aplicar com mais afinco tudo o que eu sei sobre disciplina positiva, e espero conseguir retomar o rumo para uma vida com mais paz, amor, carinho e crescimento pessoal para nós duas.
Nos últimos dois anos, acho que a melhor decisão que eu tomei foi enfrentar essa “bola curva” de cabeça erguida. Não é pra qualquer um, queridos leitores. Exige muitas caixas de lenço de papel para as lágrimas, exige coragem e enfrentamento. Tem dias que é doloroso sequer sair da cama. Outros dias você acha forças que não sabia que tinha. Total reprogramação do cérebro, da vida. É certamente o caminho mais longo. E é tão lento que parece que não estou saindo do lugar. Mas olhando pra trás, vejo que já aconteceram um monte de pequenas e grandes mudanças e acho que saio dessa uma nova pessoa, mais madura.
Nossos filhos fazem parte dessas mudanças que operamos na gente. Victoria está do meu lado todos os dias e para sempre. E é por isso que acabei por entender que por mais Mulher-Maravilha que eu fosse, era impossível fazer com que ela compreendesse toda a sua nova história de vida somente através do meu olhar. Por que meu olhar é carregado de amor infinito. Desses que não permite que a gente seja imparcial. E amar é também entender que a gente precisa estender a mão para pedir ajuda.
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Imagem destacada: Shutterstock Dubova
1 Comment
Adoro os seus textos, é de uma sinceridade <3