E o grande drama é que o consumista nunca é feliz,
pois desvaloriza o que tem para sofrer com o que
ainda não tem.
Içami Tiba
É muito difícil estabelecer um equilíbrio nesses tempos de consumo excessivo. Lentamente, venho me desapegando de um monte de coisas: do excesso, dos símbolos de status e um pouco daquilo que foi, outrora, sentimental. Estou fazendo um movimento lento, mas firme. Nos últimos dois anos doei umas 50 caixas com roupas, livros, brinquedos e outros bens. Vendi paro o sebo umas 20 caixas de livros (sou editora, fazer o quê?), organizei um brechó online e estou considerando me mudar para um apartamento bem menor, mas que tenha uma área de lazer estruturada e seja mais prático na movimentação do dia a dia. De repente, outras questões viraram prioridade. E consumir deixou de ser um passatempo divertido para virar uma preocupação.
Veja bem, não tenho a menor intenção de correr para as colinas e viver como uma ermitã que tem pavor de shopping. Acho dificílimo ser uma mulher que vai aderir ao guarda-roupa cápsula. Quando eu viajar para os Estados Unidos, provavelmente vou ficar nervosa das minhas malas passarem do peso estipulado. Mas sem essa ansiedade diária de ter, ter, ter. Não dá mais para fingir que o consumo fora de hora é um péssimo exemplo para as próximas gerações.
Há algumas semanas atrás, recebendo uma amiguinha da Victoria em casa, tudo o que ela falava era de comprar, ter e querer. Victoria entrou na onda por um tempo, até que cansou e disse: “Calma lá, não é uma competição!” E foi quando eu percebi que essa ansiedade é tão danosa para a gente – que se endivida, se encalacra, perde espaço e respiro com coisas que não são tão práticas e úteis como imaginava.
Acho fora da minha realidade, as famílias que proíbem a televisão, que não consomem licenciados nem por um decreto, que jamais levam seus filhos ao shopping ou ao supermercado. Acho que a gente deve proteger nossos filhos dos males da humanidade, mas acho também que consumo faz parte da vida, das coisas que vão existir em algum momento independentemente do seu escudo protetor. Ou você acha que seu filhote adolescente não vai ao cinema no shopping, não vai saber o que é comercial de TV? Prefiro educar desde pequenina a ter que lidar com destemperos mais tarde.
Eu acho que preferi, há muito tempo atrás, cortar algumas coisas que considero radicalismos e tentar achar um ponto de equilíbrio, onde eu e Victoria vamos conseguir conviver em paz e sem pressões do mundo exacerbadamente consumista. E todo dia venho, lentamente, aprendendo mais sobre isso. E queria compartilhar com vocês como estamos fazendo para viver em paz com o consumo.
Na comida
- Nada de pedir comida em dias úteis. Queremos economizar e delivery gera mais lixo do que deveria.
- Estou diminuindo barbaramente o consumo de bebidas prontas em embalagens TetraPack ou garrafas Pet. Estou bebendo mais água (a Vicky praticamente só bebe água) e carregando menos compras para casa.
- Há anos o meu consumo de produtos de limpeza só faz diminuir. Fiz uma lista cômodo a cômodo com o que era necessário e não fico iludida nas prateleiras do mercado.
- Tenho sempre quatro amplas sacolas reutilizáveis dentro do carro. Cabe da comprinha ao comprão.
Na TV
- Eu só assisto televisão sob demanda. Mas a Victoria curte dois ou três canais da TV a cabo e eu permito. Logo que ela começou a assistir, ficou na fissura de “Mamãe eu quero isso, aquilo e aquilo outro que apareceu na TV” além de saber todos os jingles. Paniquei. Mas sentamos e conversamos sobre o que era publicidade, por que as marcas anunciavam e que nós não podíamos ter tudo o que víamos. Que algumas coisas a eram legais e pronto, não precisava comprar. Fui reforçando a conversa na medida em que ela foi crescendo. Aos poucos foi melhorando. Hoje é raro ela me chamar por conta de um comercial. Deu uma desligada. Enquanto a lei que proíbe a propaganda infantil não for imposta de verdade, sempre teremos comerciais. E eu prefiro não proibir televisão.
No consumo de roupas e brinquedos
- Ela herda muitas coisas das minhas sobrinhas. Roupas boas, novas, algumas ainda com a etiqueta. Hoje ela veste tamanho 6-8 anos e eu guardei roupas lindas que as meninas me deram até 12 anos. Vestidos de grife, calças importadas. Assim que a Vicky perder o que já tem no armário, vou reformar algumas dessas roupas.
- Eu, minha mãe e irmã sempre trocamos roupas, sapatos, bolsas e acessórios. Assim temos sempre novidades sem gastar a mais. E nunca enjoamos do que temos. Com isso ela aprendeu que a gente nem sempre precisa comprar. Podemos herdar, emprestar, doar.
- Quando ela entra em uma loja de brinquedos (o que é raríssimo, talvez umas 2-3 vezes ao ano) eu deixo ela escolher um brinquedo e ele não pode custar mais do que eu posso pagar. Olhamos a loja inteira. Namoramos. Saímos e damos uma volta pra pensar e debater. Voltamos e ela pode escolher.
- Quando ela compra um brinquedo novo, precisa necessariamente doar outro. Deixo ela escolher o que doar.
- Dois meses antes do aniversário dela fazemos uma “limpa” no armário. Doamos as roupas pequenas, agasalhos para a campanha e brinquedos para o orfanato. Algumas roupas e sapatos mais bacanas eu passo para as amigas da Vicky que são menores do que ela.
- Abrimos juntas os presentes que ganha de aniversário para que possamos agradecer. Guardamos a maioria e ela fica com uma parte dos presentes. Aos poucos vou liberando. Ela normalmente esquece que eles existem, então é sempre uma novidade. A regra permanece: ganha um, doa outro.
- Se quebrou algo de propósito (papo para outro post), não ganha outro igual, não ganha outro diferente e uma vez eu ainda tirei o par do brinquedo quebrado para doar.
- Por aqui não rola maquiagem, não rola fazer unhas e muito menos frequentar salão de cabelereiro, há não ser quando seja hora de cortar as madeixas.
Sobre licenciados
- Aos cinco anos essa é uma batalha um pouco perdida. Na escola, no cinema, festas, nas roupas, fantasias, acessórios e até na comida. Eles estão por toda parte. Os amigos estão paramentados da cabeça aos pés. Eu tento diversificar o máximo que posso.
- Explico, que nem tudo nessa vida precisa ser de personagem. De vez em quando um sapato azul é apenas azul, não é da Elsa. De vez em quando uma blusa de bolinhas é apenas poá e não tem nada a ver com a Minnie.
- Uso o fator idade: “Filha seu maiô não pode mais ser do Bob Esponja por que não tem mais do seu tamanho. Você está muitoooo grande”.
- Não compro comidas industrializadas lixentas só porque tem personagens. Mas se for algo que eu já consumo, independentemente do que tem na embalagem, eu me permito comprar.
- Não compro e jamais comprarei maçãs da Turma da Monica. Sim, são maçãs. Mas tudo tem limite.
Em viagens
- Preciso melhorar nesse quesito. Viajamos anualmente para os Estados Unidos, templo do consumo. Lá é tudo mais barato então acabo aproveitando demais a oferta de roupas, brinquedos, eletrônicos etc. Ela acaba participando dessa insanidade desenfreada e precisa de um detox quando chega em casa. Em janeiro eu viajo de novo e posso fazer um update aqui. Não sei ainda como vai ser com minha cabeça mudando e o dólar disparado.
- Em compensação, em outras viagens eu acabo mais desligada de compras e com isso rola um balanço para ela, pelo menos, aprender que viajar não significa necessariamente comprar.
O que já falamos sobre o assunto?
A Patricia já escreveu algumas boas dicas de consumo consciente.
A Mariana escreveu sobre o que muda nos hábitos de consumo depois que temos filhos.
Eu mesma já falei da neurose coletiva do consumo desenfreado quando estamos grávidas do primeiro filho e também da arte de querer menos coisas da vida.
Imagem: Shutterstock
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