Eu sempre admirei crianças que dormem sozinha, pois Victoria dormia comigo. Sempre. O quarto dela foi ignorado solenemente. Ela nem brincava nele. Brincava na sala. Ele era um depósito das coisas dela. Tudo lindo e meio sem vida.
Logo que ela nasceu, ela dormiu no confortável carrinho, bem do meu ladinho. Quando o verão carioca chegou e ainda não tinha ar-condicionado no quarto dela, ela mudou “provisoriamente” para o meu quarto. Era lindo – para ela –, enxergar os pais do próprio berço. Depois ela não gostou mais de ficar no berço e passou para a nossa cama. Nessa fase ela já não dormia mais e, exaustos, a gente não tinha forças para mudar a situação. A gente só queria que ela dormisse, mesmo que pendurada no lustre, nada importava. Costumo brincar dizendo que foi ela quem decidiu fazer cama compartilhada lá em casa. Quando me separei ela já dormia uma noite inteira. O pai saiu e a cama passou a ser nossa. Ela se mudou definitivamente. E eu já tinha deixado pra lá fazia tempo. Não era o momento de travar essa batalha.
O tempo passou e eu fiz poucas e infrutíferas tentativas de colocá-la para dormir no próprio quarto. O berço virou caminha, a caminha virou uma linda cama de casinha e todo mundo dormia lá, menos ela. Aos 4 anos e 8 meses eu já tinha partido do princípio que ela ia dormir para sempre comigo. Tinha jogado a toalha. Mesmo.
No início do ano ela chegou da escola com o papinho de dormir na casa de uma amiguinha. Depois ela deu um ataque porque, em uma visita a um amigo, ela queria dormir lá de qualquer maneira. Quando eu chegava na escola para buscá-la, as amigas me rodeavam e a turma já tinha festas do pijama organizadas para um ano inteiro.
Sentamos para conversar:
– Filha, olha, mamãe já entendeu que você quer dormir na casa dos seus amigos, mas para isso você precisa conseguir dormir na sua cama. Em uma festa do pijama, todas as crianças dormem juntas, sozinhas, na sala ou no quarto do amigo. E aí?
Ela ficou pensativa, parada, me olhando, como se estivesse pesando as palavras. Me abraçou meio chorosa e insegura. Abracei de volta e não falei mais nada.
– Mamãe, eu acho que eu quero tentar.
Era dia de semana. Nessa noite colocamos um jogo de lençol novo, cheiroso e fresquinho. Fizemos um ritual animado de lanche especial, banho com massagem e alfazema, assistimos a um desenho animado agarradinhas no sofá da sala. Escolhemos um livro, coloquei um travesseiro king da minha cama na lateral, para simular a forma que ela dorme na minha cama. Ar-condicionado fresquinho e coloquei um abajur da sala no seu quarto. O dela tinha quebrado uns dois anos antes e eu não vi motivos para substituir.
Nesta noite, deixei ela dormir mais tarde, para que pegasse no sono mais rapidamente. Deitei com ela, li história, conversamos um pouco e ela adormeceu nos meus braços. Saí, deixei a porta recostada e a luz do corredor acesa. Se ela fosse para o meu quarto, não teria medo de atravessar o corredor escuro.
Eu demorei para dormir. Minha cama estava vazia pela primeira vez em um longo tempo. Eu levantava toda hora: e se ela estivesse caindo da cama? E se tivesse feito xixi? E se estivesse com frio? E se tropeçasse no abajur? E esse vazio ao meu lado? Pensei em descobrir onde andava a babá eletrônica, mas me achei boba. A distância entre nós não era tão grande assim.
Ela dormiu a noite toda e acordou cantando vitória. Ligou para o pai, avó e disse solenemente para a Pati, nossa empregada, que ela era menina grande e já podia dormir na casa dos amigos.
Eu acordei muito feliz por ela ter passado com louvor no desafio. Cansada pela noite mal dormida. E triste porque minha menininha estava alçando voos solo, sem precisar tanto de mim.
Nas semanas seguintes, eu continuei contando histórias. De vez em quando deitava junto, de vez em quando sentava na cadeirinha dela, às vezes no chão. Rolou uns xixis na cama e ela ia deitar comigo. Rolou umas acordadas na madrugada e ela ia dormir comigo. Outras vezes ela acordava feliz nos próprios domínios.
Acho que foi importante perceber que ela estava pronta para dar esse passo. Ficamos 4 anos e 8 meses dormindo juntas em uma aconchegante cama king size. Ouvi muito nesses anos todos, minha família, amigos, leitoras e psicólogas dizendo que eu não deveria deixar isso acontecer. Mas ela sempre foi muito insegura na hora do sono. Não apenas fisicamente (sono irregular, acordava muito, se mexia demais, naquele cobre/descobre), mas também emocionalmente, precisando do aconchego da mãe para conseguir adormecer. Ela dizia: “Mas por que eu preciso dormir sozinha? A sua cama é grande! ” De fato, ela não precisava.
Mas eu gosto de dormir de madrugada, acendo luz, televisão, leio. Sempre fiz tudo isso com ela dormindo ao meu lado. Mas acho que ela seria mais feliz dormindo no escurinho, com a temperatura do ar-condicionado perfeita para ela, que não gosta de dormir gelada.
E o vazio ao meu lado? Estou me acostumando também e, confesso, achando boa essa liberdade. Sempre fomos grudadas, dupla dinâmica, uma certa simbiose. Achei necessário colocar um pouco de distância entre a gente. Mesmo que essa distância seja, no fundo, só nos nossos sonhos.
A primeira festa do pijama foi um sucesso e já estamos programando mais uma lá em casa.
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