Na vida materna, a gente se esforça para acertar, né? Aqui no meu latifúndio eu nem estou almejando perfeição, mas a chance de ser uma boa mãe dentro de uma realidade que é bem cansativa e, por vezes, solitária.
Quem já me acompanha aqui no Mundo Ovo sabe que eu sou uma mãe solteira, que já passou dos 40, que tem um emprego que demanda muito mais do meu tempo do que o tradicional “9 às 18”, com uma filhota bastante ativa, independente e que acaba de completar cinco anos.
A independência dela é uma mão na roda para mim, que não tenho ajuda no meu dia a dia. Ela toma banho sozinha, escova os dentes sem supervisão, escolhe a própria roupa, come sozinha e se distrai com seus brinquedos sem solicitar muita atenção.
Claro que nada é perfeito, então isso também significa bancada do banheiro encharcada, torneiras semi desligadas, toalha pelo chão, gaveta de roupas sempre bagunçada e minha sala parece uma filial de creche, sempre cheia de bonecas, suas filhas, usando fralda descartável, trocando de roupa, em casulinhos, comendo papinhas imaginárias que ela cozinha diariamente enquanto anda pela casa com a recém-nascida em um sling. Mas tudo bem. O importante é ela circular com liberdade e segurança pela casa. E, confesso, é perfeito para que eu possa ter tempo para fazer toda a minha lista de coisas a fazer em um tempo cada vez mais curto e ao mesmo tempo interminável. Por exemplo: já são 2:30 da manhã e esse post precisa estar no ar as 7:00.
Quando chega setembro eu entro em estado de alerta vermelho. É quando eu fico mais atarantada no escritório, com projetos acumulados, todos aguardando a vez para nascer. Até novembro minha vida vira uma novela mexicana com direito a ataques de pelanca, prazos inviáveis, todo mundo me solicitando e eu querendo me esconder debaixo do sofá. Todo. Ano. A. Mesma. Coisa. Há uns 15 anos.
E eis que me pego vivendo um dos momentos mais desafiadores da minha carreira, exigindo de mim mais de 100 horas semanais. Ah, é. Mas eu tenho uma filha. E dá-lhe pedir ajuda pra minha mãe, irmã, ex-marido. Todo mundo fazendo o que pode, por que é “aquela época do ano”. Mas não dá pra simplesmente esquecer que eu tenho uma filha por dois meses. Tem horas que eu quero ela em casa, oras. Quero sentir o cheirinho dela, curtir uns minutinhos de alegria pra depois me enfiar dentro do computador e virar robô. E ela também quer ficar em casa. Ela prefere uma mãe surtada, do que nenhuma mãe. E assim seguimos pedindo pizza, dormindo mais tarde do que deveríamos, acordando mais cedo do que gostaríamos e encaixando um almoço com o vovô entre uma reunião e outra, pegando um teatrinho pela manhã antes de eu precisar correr pro escritório da designer e chorando de madrugada com aquela sensação de estar fazendo tudo errado. A famosa culpa materna. Mas, dessa vez, justificada.
E, quando eu achava que não podia piorar, vivi o momento de #menasmãezisse máxima. E eu compartilho aqui para que vocês possam se sentir melhor com vocês mesmas quando se pegarem num momento ruim: “ah, eu estou aqui deixando meu filho sem tomar banho com o pé sujo, mas a Camila já fez muito pior…”
Foi sábado passado. Vicky tinha passado o dia com o pai, pois eu estava finalizando um livro que precisava ser enviado para a gráfica no domingo. Ela chegou em casa as 18 horas. Eu, claro, no olho do furacão. Distraidamente deixei ela de TV ligada, brinquedos espalhados e avisei: “mamãe está trabalhando, tá? Vai lá se precisar de alguma coisa.” Me distrai. A menina sem banho, sem comer, sem beber água, sem atenção. Pisquei. “Mãe, eu tô com sono. Será que eu posso dormir?” Eu ia emendar um “mas ainda tá cedo”, só que eu olhei no relógio antes de responder e eram ONZE DA NOITE. Eu simplesmente abandonei a criança dentro de casa sem banho, lanche, jantar, copo d’água, pijama. A hora de dormir já tinha passado fazia muito tempo. Não teve afago, carinho, cosquinha. Eu fiquei para morrer. Parei tudo e corri com ela para o banho, pijama, afago, carinho, água e um lanche reforçado. Tudo em vinte minutos. Maternidade Express. Quando ela finalmente deitou, já passava de meia-noite e estava tão siderada pela quantidade de horas passadas entre TV e IPad que só foi efetivamente conseguir dormir as 2 da manhã.
Obviamente fiquei desolada. E culpada e chorosa e fiquei beijando suas bochechas adormecidas por muito tempo enquanto pedia desculpas. Depois corri pro computador e continuei na minha saga.
Estou até hoje culpada. E tentando compensar das maneiras mais erradas (um livro novo de presente, um picolé fora de hora). E eu fico com aquela sensação de ser a pior mãe do mundo, como já expressei mais de uma vez aqui no site.
Essa foi a maior mudança que a maternidade provocou em mim: a vontade de tacar todo o trabalho para o alto. Antes de ser mãe, eu não pensava duas vezes antes de embarcar em projetos ambiciosos. Mesmo quando eles não eram exatamente uma escolha, mas uma necessidade da profissão, eu não ficava nem receosa. Tudo era um desafio a ser superado: a falta de tempo, de verba, de estrutura. Mas agora? Agora eu não consigo sentir tesão nessa sandice. Só consigo ficar desconsolada pela quantidade de horas ao lado da minha filha que estou perdendo por que estou trabalhando tantas horas quanto um robô de fábrica.
Mais alguém passa por isso? Mais alguém fica com essa sensação de que equilibra os pratinhos só pra, na hora H, eles caírem todos na sua cabeça? Cartas pra redação.
imagem destacada: shutterstock Jacob Lund
2 Comentários
Onde é que a gente coloca o dedo?? Sim, Camila. Eu também passo por isso! E quando a gente reage de forma desproporcional (tipo dando a maior bronca por nada)? Fico para morrer! Mas engulo a culpa, peço desculpas e encho o filhote de beijocas! E a vida segue…
Aiiiii que sufoco…. eu tbm vivo com essa culpa, passo o dia longe dele (Lucas, quase 2 anos) e quando chego em casa, com os ouvidos zunindo de tanto resolver o problema dos outros, não consigo administrar uma xícara de café derramada na toalha. Afff ai bronca exagerada e culpa na mesma medida. Não é fácil, mas nem tão difícil, estou tentando diariamente ser uma mãe perfeita, mas enfim é quase impossível pois somos humanas.