Quatro meses parece pouco tempo. Dezesseis semanas não parece passar a dimensão do tempo dedicado. Cento e vinte dias, então. Completamos 120 dias de amamentação exclusiva de leite materno, em livre demanda. Esse é um relato emocional.
Ninguém me contou muita coisa sobre amamentação exclusiva. Não entenda errado: eu tive muita, muita informação a respeito. O tanto de informação que reuni foi suficiente para que eu me preparasse para todos os cenários possíveis: pega errada, baixa produção de leite, alta produção de leite, mastite, empedramento, complemento com leite artificial, relactação…
Eu estava preparada para qualquer coisa que pudesse dar errado de forma prática. Eu me preparei até para “falhar”. O que ninguém me contou, o que eu não li e nem ouvi foi sobre o dia a dia de quem está dedicada à amamentação exclusiva, sobre a solidão, sobre o desgaste emocional.
os primeiros 15 dias
Os primeiros 15 dias de puerpério são, no mínimo, turvos. A gente entra em modo automático de sobrevivência, nossa e do bebê. O curioso é que todo mundo costuma lembrar dessa fase como privação de sono e esquece que é o momento mais cruel de adaptação: você e o bebê estão aprendendo a lidar com a amamentação.
É nesse período que muita mãe desiste (e ela tem minha total empatia). É doloroso, estranho, cansativo, um trabalho que não parece ter fim nunca. Você perde um pouco a noção de onde o dia começa e onde ele termina.
Eu precisei me agarrar às “regras” para me manter sã nesse início. Sou uma pessoa que precisa de disciplina e sigo regras com prazer até estar confortável o suficiente para “customizá-las”. A anatomia da pega correta, o tempo mínimo de mamada, o tempo máximo de intervalo, o colostro, a descida do leite, a troca de peitos, os cuidados com os mamilos…
Os meus dias eram loops intermináveis desses processos. E eu tinha vontade de dar uma cadeirada em cada pessoa que me dizia “aproveita que passa muito rápido”. Não passou rápido.
Tivemos mamilos rachados que sangraram no segundo dia de vida do bebê, mesmo com a pega correta. Tivemos cólicas (minhas, não do bebê). Tivemos noites em claro porque ele só queria peito, quase sem intervalo. Tivemos surto de exaustão porque ainda não tínhamos aprendido a diferenciar o choro de fome do choro de sono. Tivemos medo de ele não estar ganhando peso. Tivemos peitos muito cheios, doloridos, vermelhos e um medo acachapante de mastite. Tivemos dores de cabeça de desidratação.
Os primeiros 15 dias pareceram demorar seis meses. Eu vivi para amamentação exclusiva. Pra alimentar o bebê da melhor forma e só. Ainda bem que minha rede de apoio estava ali para cuidar de mim, alguém precisa cuidar da mãe.
30 dias completos e os seguintes
E aí, passou. Passou a primeira névoa. Martin ganhou uma rotina de mamadas e eu ganhei calma. Ele passou a mamar de três em três horas quase religiosamente e, por isso, eu consegui me planejar para fazer tudo – inclusive trabalhar.
Os mamilos pararam de doer (eles calejam, gente), mas eu continuei cuidando deles com muita pomada. Achamos a posição ideal de mamar e ficamos dependentes da almofada de amamentação. Criei alguns hábitos da amamentação como ter sempre um copo d’água, ver uma série, ler um livro e dar conselhos pras amigas por mensagem. Bebê estava ganhando (bastante) peso.
Eu passei a curtir a amamentação. Curtir que o bebê entendia quem eu era e que eu era fonte de alimento e conforto. Ele passou a me olhar e pegar no meu cabelo, no meu peito, na minha roupa durante as mamadas. Era o meu momento especial com ele.
Fiquei segura e orgulhosa.
I GOT THIS.
os 90 dias
Segura e confortável com a amamentação. Martin passou a mamar de forma mais eficiente e a dormir mais durante a noite. Pulamos mamadas e assim, comecei a experimentar quebrar algumas regras.
Abandonei a pomada de lanolina (não precisava mais, aê) e a almofada de amamentação. Com segurança, amamentei no restaurante, no carro, no meio da feira, no chão do trocador de uma loja, em qualquer cadeira, em pé recebendo o moço do delivery. Tirei a bomba de leite do armário, usei e deixei o bebê com o pai para poder sair um.
E foi durante o descobrimento dessa “independência” toda que eu fui surpreendida e tomada pela solidão. Nas madrugadas, nas festas, nos jantares, no dia a dia, eu me senti muito só.
Eu percebi que a responsabilidade de alimentar o bebê era exclusivamente minha, um trabalho intransferível. Eu percebi que o processo de tirar leite com a bomba – que deveria me conceder alguma liberdade – é extremamente solitário, cansativo, trabalhoso e precisa de tanto planejamento que quase não vale a pena.
Com 90 dias de amamentação, eu me senti emocionalmente exausta. Ainda me derretia com o sorriso que ele me dava, ainda no peito. Ainda curtia os nossos momentos. Mas a sensação de isolamento me fez começar a contar os dias para a introdução alimentar.
os 120 dias
Então, completamos 120 dias de amamentação exclusiva. E numa virada espetacular do destino, eu me recuso a pensar em parar de amamentar. Não achei que isso fosse acontecer, não achei que me envolveria tanto com a experiência de amamentar o meu bebê.
Confesso que ouvia mães dizerem que ficaram arrasadas no processo do desmame e achava um certo exagero. Hoje, entendo completamente. Com 120 dias completos, eu finalmente entendi e assumi a livre demanda.
Martin mama quando tem fome porque eu olho pra ele e sei se ele está ou não com fome. Martin mama quando precisa de aconchego e quando precisa se acalmar também, porque eu permito e eu sou capaz de oferecer conforto emocional.
Mais do que isso, ele ama mamar no peito. Ele fica muito feliz e, toda mãe vai concordar, não existe nada mais importante que a felicidade do filho. Continua sendo cansativo e solitário, sim, mas por enquanto, isso importa menos. Ser capaz de prover felicidade é um dos maiores processos de empoderamento que existe.
Amamentar é um privilégio. Nunca se esqueça disso. É a forma ideal e mais saudável de alimentar a cria, sim, mas também exige um volume de dedicação incomparável.
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