Victoria ama YouTube e desde então minha vida virou uma eterna preocupação. Se identificou? Sem exagero, acho que esse é o drama da maternidade moderna.
Victoria sempre gostou do YouTube por que podia assistir aos seus desenhos prediletos do IPad dela. Quando ela não sabia escrever, eu digitava e ficava de olho no que estava sendo visto. A fase ainda era Caillou, Peppa Pig e derivados. O mundo era lindo há uns cinco anos atrás.
Mas aí, um dia, este mesmo mundo caiu. Aos cinco anos, ela chegou em casa com uma novidade de assistir umas garotas de voz chata, que gritavam muito. Os programas variavam entre unboxing (que nada mais é do que abrir uma caixa de brinquedo, explicando as peças, o que é o brinquedo e depois mostrar montado); bonecas brincando tipo um teatro; pais e filhos se trollando (aprendi recentemente o termo e o que significava).
Mas qual o problema desses canais?
Acho unboxing uma das formas mais vis de anunciar produto pra criança. Realmente a criança fica maluca. Lá em casa unboxing é palavrão e ainda bem que ela nunca curtiu muito.
Esses canais que ficam fazendo teatro com bonecas é uma porcaria, sobretudo por que elas são grosseiras uma com as outras, deixam de castigo, se batem, fazem bullying. Elas não estão ali passeando no bosque e fazendo piquenique não.
E não é só isso. As apresentadoras mirins ficam se exibindo que possuem 342 bonecas dessa marca, além de 214 da outra, 112 daquela importada e apenas 20 daquelas que parece um bebê de verdade, que essa é muito cara.
Sério? Preciso dizer mais? Por que não basta ter a boneca machucada com band aid. Tem que ter a boneca que tem gesso na perna, a que toma vacina, a que é enfermeira. Quer dizer: quantas bonecas da mesma marca uma criança precisa para brincar de médico? E essas bonecas são meio vendidas como colecionáveis. Uma dica, gente! Uma boneca que custa entre 300 e 500 pratas não é colecionável!
E isso não é tudo
Eu me pergunto se as famílias que permitem e participam ativamente desses canais com seus filhos pensam na responsabilidade que é ter audiência. Em primeiro lugar elas colocam seus filhos, crianças pequenas, para incentivar o consumo. Elas vendem consumo excessivo como se fosse brincadeira. Esses canais possuem milhares de seguidores, seus vídeos possuem milhões e milhões de views, por que crianças como a minha filha querem assistir isso no “repeat”, sem parar, todos os dias.
Tem família ganhando dinheirinho firme em vlogs muitíssimo amadores. Pais e mães que ainda cometem a vergonha alheia de participar ativamente dos “programas”. Vários deles fazem “brincadeiras” (desculpa, gente, esse post vai vir cheio de aspas) onde a mãe vira criança e a criança vira mãe e elas encenam um dia na casa deles dessa maneira.
Ela cresceu e começou a gostar de games
Lá em casa não temos a cultura de videogame. Eu não jogo e nem temos videogame em casa, como a Mariana que escreveu há anos atrás como ela administrava o videogame com o filho, Tom. Os dois amam jogar.
Ela passou a curtir Roblox e Minecraft com os amigos da escola e só o fato de ela ter se afastado das meninas anunciantes de bonecas e tretas mico familiares já foi um passo a frente, na minha opinião. Os programas no YouTube passaram a ser adolescentes jogando e mostrando jogadas. Selecionei os canais que ela podia ver, em particular uma menina que joga com os pais e com os amigos. Ela joga jogos apropriados, ela não fala palavrão, dos males o menor. Proibi os que usam umas gírias inapropriadas, palavrões, de jogos não autorizados.
Recentemente proibi um menino que é conhecido por ser gamer, mas colocou um programa em que fala de vida de adolescente. Quando me dei conta que Victoria estava vendo aquilo, gelei.
E o tempo que passa jogando ou assistindo gamer jogar?
Mas aí, aos 7 anos e meio meu maior problema é controlar a quantidade de tempo que Victoria passa de cara pro YouTube. Seja no tablet, seja na televisão. Eu ainda não sei colocar YouTube na televisão. #mãefail
Nós duas estamos pensando e discutindo e nos impondo limites diversos em casa. Estamos meio desregradas, mas estamos entendendo que precisamos colocar limites em nossos desejos. Do chocolate ao eletrônico. Detox nas duas. Essa ideia da gente conversar e nos regularmos as duas nos aproximou e estamos nos dedicando a vencermos juntas nossos pequenos vícios diários em prol de uma vida mais saudável.
E faz o que com o conteúdo inapropriado?
E eu que já achava que Carrossel, Chiquititas e Carinha de anjo inapropriadas quando ela tinha cinco/seis anos, me vi perdida em um mundo onde minha filha criança, que mal saiu da primeira infância, já está sendo sugada por um mundo adolescente que não só ela não faz parte, mas que não tem recursos emocionais para entender a maioria dos dramas e dilemas.
Quero ela vendo programas que abordam o primeiro beijo? Claro que não. Ela já viu? Sim. Mais de uma vez, em mais de um programa, inclusive os que não são dedicados aos adolescentes.
E cadê essa mãe que não está em cima da criança olhando tudo o que ela faz?
Uma das belezas de maternar uma criança grande, que já está desfraldada, já consegue fazer o próprio lanche, toma banho sozinha e brinca essencialmente sem supervisão, é ter tempo livre pra fazer coisas que mãe perde muito na primeira infância: tempo pra ir ao banheiro sem plateia, banho longo, fazer as unhas enquanto vê seu próprio programa na televisão, cochila, lê, enfim. Tem uma vida para além da maternidade.
Não cabe, pelo menos eu, com o meu temperamento, ficar olhando a cada cinco minutos se ela parou de colar figurinhas e está vendo o programa proibidão. Mas se eu der uma incerta e ela estiver vendo aquilo que sabe que não pode, ela fica sem IPad e TV por uma semana. Regra é regra e eu sou dura aí.
É muito difícil
Recentemente um dos maiores YouTubers do país entrou em mais uma polêmica. Anos atrás já tinha lido uma entrevista dele pro Jornal gaúcho Zero Hora dizendo que não é papel dele educar as crianças, que era papel dos pais. Que ele era humorista e embora tenha responsabilidade por conta do público que o assiste, não ia se privar por conta disso.
Eu sou obrigada a concordar com ele. Felipe Neto é um homem de 30 anos. A Kéfera é uma mulher de 25 anos. Vou deixar minha filha de 7 anos ter contato com conteúdo feito por essas pessoas? Não mesmo. Não estou nem questionando a qualidade do programa. Estou questionando que minha filha tem 7 anos e nem a Larissa Manoela é adequado pra ela.
E sim, é muito difícil dizer pra sua filha de 7 anos que está numa pressa louca para crescer, que algo não é apropriado pra ela. Alguns pais deixam, ou já desistiram dessa guerra insana que é lutar contra a presença do YouTube na vida dos nossos filhos. E os amigos comentam, discutem e ela quer fazer parte da turma. Olha que dilema?
Mas converso, faço a lógica reversa. “Victoria, se eu passasse o tempo todo vendo desenho animado na televisão, você não ia achar estranho? Ia né? Por que eu não sou criança então vejo séries e filmes que são apropriados para a minha idade”. Sei lá, gente, na maioria das vezes funciona, mas de vez em quando eu tenho que bancar a megera e dar um super ataque e tirar o Ipad por uma semana por conta de desobediência.
Honestamente, não sei se erro, acerto, se estou piorando, ou colocando o mínimo de bom senso na cabecinha da minha pequena.
Sigo tentando e adoraria ouvir outras mães com crianças acima dos cinco anos, o que passam e como convivem com esse fenômeno.
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